
Então esta é a compreensão que está se impondo até 2001, era uma hipótese científica. Em 2001, em um grande congresso com mais de 3 mil cientistas em Amsterdã, James Lovelock com Margulis, sua companheira Lynn Margulis, e o seu grupo trouxeram as provas científicas para mostrar que a Terra efetivamente é um super-organismo vivo. E foi aceita pela comunidade científica. Então deixou de ser uma hipótese e passou a ser uma teoria científica, que em ciência significa verdade científica.
Então a Terra é Gaia, a Terra é vida. E o último livro de James Lovelock se chama A vingança de Gaia, dadas as ameaças que durante séculos e agressões sistemáticas que nós fizemos contra Gaia, chegou o momento em que ela perdeu o seu equilíbrio, ela não consegue sozinha se auto-equilibrar, se auto-regular, por isso o aquecimento, por isso as secas, por isso as violências da natureza. E não é possível, diz Lovelock, que Gaia se vingue, porque os biólogos nos dizem que quando uma espécie de forma permanente e continuada agride as demais espécies, a própria Terra tende a isolar essa espécie e eliminá-la, como nós eliminamos uma célula cancerígena. Oxalá não tenha chegado o momento em que Gaia, por amor a si mesma e aos demais seres ameaçados por nós, nos elimine, e aí seria um justo castigo por todos os crimes que durante milênios nós perpetramos contra ela. Com muita dor, ela poderá continuar sem nós, quem sabe lá a diante a partir de um ser mais complexo possa existir o princípio da intelegibilidade e do amor, porque a inteligência e a consciência estão primeiro no universo e porque primeiro estão lá é que estão em nós, desde o princípio será mantido desde esse início do processo de evolução, mas nós teremos capacidade, nós veremos adiante que essa é uma situação possível, eu creio que Gaia ainda poderá ser resgatado pelo amor humano, pelo compromisso, pela compreensão, da mudança da nossa forma de cuidar da vida, de cuidar do planeta.
O segundo momento dessa ecologia não é só vê-la como comunidade de vida, vê-la como Gaia, mas é ver a sociedade humana, a ecologia social, a ecologia político-social. Porque cada sociedade organiza sua forma de relação com a natureza. Algumas de uma maneira extremamente benevolente, como os nossos índios tupis-guaranis, os yanomamis daqui da Amazônia, que cada vez que derrubam uma árvore fazem um rito de desculpa porque não gostariam de sacrificar uma árvore, mas tem que derrubá-la porque tem que fazer uma porta, tem que fazer um barco, tem que fazer um remo. Eles se sentem e profunda comunhão com a natureza. Enquanto nós, o paradigma dominante ocidental, que hoje foi globalizado, orgnizamos uma sistemática agressao a todos os recursos da Terra. Porque o propósito do nosso paradigma civilizatório é dominar, estar por cima da natureza e não junto com os demais seres. É a vontade de poder e a vontade de dominação. E estruturamos as formas de produção de consumo, que supõe a produção ilimitada de bens e serviços, mesmo devastando a natureza sem nenhum sentido de solidariedade com aqueles que vêm depois de nós, porque eles também têm direito de herdar um planeta limpo, cuidado.
Então, o projeto civilizatório se propõe explorar de forma ilimitada tudo o que a terra pode oferecer não é suportável pela terra, que é um planeta limitado, pequeno, velho e que já é capaz de se auto-reproduzir. Esse modelo, que foi universalizado, que já tem mais ou menos 400 anos e que agora entrou em profunda crise e seguramente não será uma crise cíclica, que passa e depois ganha um outro patamar e continua, no meu modo de ver é uma crise terminal. Esse sistema não tem mais condições de garantir a vida humana para todos os seres humanos. Porque nós atingimos os limites do planeta. Os limites do planeta são os limites do capital.
Em 20 de setembro estourou uma crise econômico-financeira que ganhou todo o noticiário mundial e continua até os dias de hoje. No dia 23 de setembro, os organismos que acompanham o estado da terra publicaram a capacidade de sustentabilidade da terra e nos deram os dados, dizendo que a partir de agora, 23 de setembro de 2008, nós estamos consumindo 30% a mais do que aquilo que a terra pode produzir. Para podermos sobreviver, precisamos de uma terra inteira e mais 30% de uma terra que não existe. Então ficou claro que a terra se tornou insustentável e até foi chamado em inglês de “Earth Shut Day”, “o dia da grande travesia”. Passamos do limite. Significa que essa forma de produçao, que se chama em termos de modo de producão, Capitalismo, e em termos políticos, Liberalismo, não tem mais condições de se reproduzir e ser levada a diante porque não tem mais terra suficiente, não tem mais recursos suficientes, e esse é o limite de nosso modo de produção. A necessidade de passar de um modo de produção destrutivo para um modo de produção regenerador dos recursos da terra, capaz de dar sustentação a toda comunidade de vida. Esse é o grande desafio civilizatório em que todos nós, as religiões, as ciências, as comunidades, os sindicatos, as escolas, as universidades devem trazer uma colaboração. Não desse movimento sustentável, porque esse se mostrou absolutamente insustentável. A lógica desse tipo de desenvolvimente se opõe diametralmente à lógica da vida. Esse tipo de desenvolvimento vive de duas ilusões: a ilusão de que os recursos são infinitos, que podemos tirar da terra o quanto pudermos, e hoje sabemos que os recursos são finitos, já passamos da capacidade da terra; a segunda ilusão é de um infinito temporal, que podemos ir assim para a frente indefinidamente, pois sabemos dos cálculos que foram feitos e se os países ricos quisessem socializar o bem-estar que eles tem para toda a humanidade, nos precisaríamos de duas terras semelhantes a essa. 20% da humanidade consome 80% de todos os recursos e serviços da terra, da natureza. Um profundo edifício social que gera uma injustiça ecológica, isto é, produção sistemática de pobres e famintos. Depois da crise da alimentação, de 860 milhões de pobres passaram prara 930 milhoes, o último dado.

Esse sistema produz extrema população de um lado e extrema pobreza do outro. Trezentas e vinte e cinco famílias do mundo possuem 80% de toda a riqueza do planeta. Isso revela profunda injustiça social, e se revela como injustiça ecológica, porque cobra um preço da natureza: deflorestamento, poluição do ar, contaminação do solo e do ar, e acrescento a escassez de água potável. Uma profunda injustiça com a relação com a natureza. Por isso que a Carta da Terra propoe não um desenvolvimento sustentável, mas um modo sustentável de viver, viver com os recursos próprios de cada região, de cada ecossistema, que atende às necessidades humanas, que atende aos valores culturais da região, que pense nas gerações futuras, porque nos tememos que daqui a duas ou tres gerações nossos filhos e netos se voltarão a nós e nos amaldiçoarão e dirão: “Vocês sabiam, vocês sabiam sobre os riscos que giravam sobre a terra. Vejam que ar temos que respirar, vejam que águas temos que tomar, vejam em que solos envenenados temos que pisar, vejam que alimentos contaminados e transgênicos temos que comer. Vocês sabiam e nada fizeram ou pouco.” Nós não queremos ser amaldiçoados pelos nossos descendentes.
A ecologia social tem que pensar hoje essa questão da incapacidade, dessa maneira de organizar a economia, de sustentar a sociedade, a política, mandou para o limbo a ética, só sobrou a economia. Por isso tudo é feito mercadoria, desde o sexo até a santíssima trindade, tudo é oportunidade para ganhar dinheiro. E é nesse contexto que se coloca a questão da água. Porque o grande desafio hoje é o grande debate mundial com respeito a água é isso: a água é um bem econômico? A água é um bem vital. A agua é uma mercadoria? Ou a água é um bem da natureza insubstituível, vital, comum. E hoje sabemos que há uma corrida mundial para privatizar as águas. O Banco Mundial e o FMI só emprestam a países que têm pouco poder politico, só emprestam a comissão que permitir a privatização das águas. Quem domina a água tem poder sobre a vida, e quem tem poder sobre a vida tem poder total . Então, a agua é fundamental, e nós sabemos que uma das crises que vai afetar a humanidade ao longo dos anos é a crise da água potável, porque de toda a água do planeta só 3% é agua potável, e desses 3% só 0,7% é acessível aos seres humanos. Ou porque está nas calotas polares, ou porque está em poços profundos, ou porque está no alto das montanhas do Everest, ou então no interior da Amazônia. Então só 0,7% é do uso humano, e, desses 0,7%, 70% é para a indústria, seja pra agro-indústria, seja pra indústria pesada. Só 10% para matar a sede dos seres humanos. Há muita água no mundo, são 34 mil km3 de água. Nos só consumimos 6 mil km3. Água não falta. Ocorre que 60% da água está apenas em 9 países, e é profundamente mal distribuída pela própria natureza. Hoje há mais de 1 bilhão de pessoas com insuficiência de água potável. E segundo hoje a última reunião da FAO, que tratou desse tema, se nós não cuidarmos, se não fizermos políticas publicas mundiais, entre os anos 2020, no máximo 2030, mais da metade da população mundial tera insuficiência de água e começarão a desaparecer. Não é sem razão que um grupo de grandes políticos e cientistas criaram um fórum mundial alternativo da água, em Florença, sugerindo fazer um contrato social mundial ao redor, porque todos os seres humanos, toda comunidade de vida precisa de água. Falta no mundo hoje um contrato social mundial, por isso vivemos hoje sob o domínio de uma potência imperial hoje no mundo inteiro que impõe sua vontade a todos os demais. Graças a Deus, outra política é possível; esperamos que com Obama, num outro Estados Unidos, diferentes alternativas também sejam possíveis.
A advertência da FAO é que, se nos próximos anos não cuidarmos de fazer uma política solidária, haverá guerras e grande devastação para garantir acesso às fontes de àgua potável, porque podemos suportar a fome por 12, 13, 17 dias, mas não podemos suportar a sede por mais de 3 dias, nos desidratamos e morremos. Então a água é fundamental e é importante que nós da teologia, das religiões, das tradições espirituais, exaltemos profundamente o carater espiritual da água que é ligada a vida, um dos ciclos mais poderosos e nos traduzem a experiencia do divino, do sagrado, de Deus mesmo. Eduquemos os nossos professantes ao respeito aos recursos fundamentais pra vida. A ecologia social tem a ver com esses problemas, com as alternativas para que se mantenha a vida de Gaia, para que os modos de produção, temos que produzir para atender as necessidades humanas, mas em consonância com os ciclos da natureza, com sentido de solidariedade generacional e com uma forte percepçao de equidade, distribuição equitativa dos recursos da terra e ao mesmo tempo dos recursos dos nossos projetos técnico-científicos. A ciência feita com consciência beneficia toda a humanidade e não só o mercado.
A terceira vertente dessa ecologia, que eu considero talvez a mais importante, que é a ecologia mental. É o que se passa nas nossas cabeças, porque se nós exploramos e agredimos, se nós acumulamos, se nos matamos, se nós poluímos, porque há dentro do ser humano um projeto. Aconteceu uma revolução na mente do ser humano e ela já começou há dois milhoes de anos atrás quando surgiu pela primeira vez o homo habilis, aquele tipo de ser humano que começou a usar o instrumento, um bastão, um pedaço de pedra para melhor dominar a natureza e culminou com mais força no neolítico quando criou a agricultura, criou a irrigacção, quando criou a civilização agrária e chegou a sua plena expansão com o projeto moderno da total dominação da natureza pela tecno-ciência. Tudo isso é um projeto. Se a nossa mente humana está doente, ela passa essa doença para a terra e a doença da terra nos afeta psicologicamente e nos faz também doentes. Como despontar dentro de nós? Eu acho dois grandes preconceitos que nos temos: o primeiro que é o antropocentrismo e outro que é dominação e o tipo de razão orientada para a dominação. Já Einstein dizia que é mais fácil decompor um átomo do que tirar o preconceito de dentro da cabeça da pessoa. Então nós estamos cheios de preconceitos. A grande ilusão de preconceito que é cultural entre nós da tradição judaico-cristã e de cera maneira ajudamos a consolidar é o antropocentrismo. O antropocentrismo diz: o ser humano é o centro de tudo e as coisas só valem na medida em que se ordenam ao ser humano, ao seu uso. Essa visão não se sustenta a partir de uma visão de sucesso da evolução. Quando 99,98% da terra estava pronta, emergiu no processo de evolução do ser humano. Então a terra não precisou de nós para elaborar sua imensa biodiversidade. Nós não assistimos o nascimento da terra. Nós somos produto da própria terra e ela não produziu a nós apenas, produziu a toda a comunidade de vida. Nossos irmãos e irmãs, os povos que são os minerais, outros povos que são os vegetais, outros povos que são os animais, as diferentes etnias humanas. Tudo isso é produção da terra, mas ela produziu a nós algo que é único no processo de evolucção conhecido, produziu um ser com consciência e por isso com responsabilidade com a missão de ser o guardião e o cuidador dessa herança que o universo nos entregou. Por isso não cabe o antropocentrismo, cabe a profunda comunhão com todos os seres e a nossa responsabilidade e o cuidado para com toda a comunidade de vida, porque esse é o nosso lugar junto dos seres da terra e do universo. Esses seres que têm essa vocação, essa missão de ser os guardiães, os cuidadores desse jardim do Éden.
O segundo preconceito que nós temos, o segundo obstáculo para a intergração ecológica é a utilização da razão para a dominação, aquilo que nós chamamos a razão instrumental-analítica. Esquecemos as outras utilizações da razão, ontem atentadas pelo Sergio Torres: a razão da subjetividade, do diálogo com as pessoas, a razão simbólica, a razão do coração. Nós precisamos da razão analítica instrumental, porque nós precisamos de aparelhos que funcionem. Eu quando subo no avião não quero saber de muita cordialidade, quero saber se essa turbinas funcionem, que me levem direto ao Pará e que não me joguem no oceano, na floresta Amazônica. Então nós precisamos da razão. Mas a razão sozinha, que é o racionalismo, cria em nós uma espécie de lobotomia, uma espécie de insensibilidade para com as coisas. Nós não sentimos os bilhões passando fome, nos não choramos com a natureza que grita, os animais que desaparecem, com as três mil espécies de seres vivos que todos os anos somem definitivamente dada a agressividade de nosso processo industrialista. Nos não sentimos. Então, junto com a razão instrumental-analítica, que criou o antibiótico, que nos levou à Lua e nos trouxe de volta, mas essa mesma razão criou uma máquina de morte, que pode matar de 25 mil formas diferentes de toda a espécie humana, seja por armas químicas, biológicas, nucleares. Nós criamos essa máquina. Então a morte não é só a morte individual, o gênero humano é mortal. Não podemos mais falar da imortalidade da espécie humana. Nós criamos os meios de liquidar a nós mesmos. Entao, o fim das espécies não é uma obra de Deus, que intervém, pode ser uma obra dos próprios seres humanos. Quando um amigo de muitos de nós aqui, Miguel d`Escoto, assumiu a presidência da Assembléia da ONU, fez esta denúncia: existem 31 mil armas atômicas, basta estourar 3 mil delas para equivaler a 200 megatons, a 200 mil bombas que caíram sobre Hiroshima e Nagazaki e eliminaram as espécies, existem 3.100 espalhadas por vários países, submarinos, postos militares, estão em alerta máximo, em um minuto e meio pode ser disparada e levar a tragédia a civilização humana. Isso ele denuncia no discurso inaugural dele como presidente para dizer qual é a nossa responsabilidade como povos, como nações face à máquina de morte que nós construímos. Quem vai impedir um acidente? Quem vai frear a mão de um enlouquecido que toma o telefone vermelho? Eu perguntei uma vez quando estávamos numa reunião na Carta da Terra: “É verdade que você poderia produzir uma crise nuclear e destruir a espécie humana?” Ele disse: “Havia generais que me pressionavam para o último encontro com o ocidente, para o enfrentamento nuclear. E eu sabia que se eu aceitasse essa proposta ou vacilasse seria o fim da especie humana. Não haveria sobreviventes para contar essa tragédia.
Então, nós criamos este tipo de razão. Não vamos negar que essa razão, porque precisamos dela, mas uma ciência com consciência, uma ciência que incorpore a razão cordial, porque nós sabemos pela ciência e pela biologia que a camada mais fundamental do ser humano não é a razão, é o sentimento, é coração. No coração estão os valores fundamentais da cordialidade, da convivência, da amizade, do amor. É por essa razão cordial que nós temos as relações humanas e tornamos possível a nossa vivência nesse planeta.
Mas essa razão foi colocada no limbo, ela foi colocada sob suspeita porque ela atrapalha o diálogo objetivo da ciência. Mas hoje, mais e mais, a própria ciência mais dura diz: a ciência tem que servir a vida e, por isso, ela tem que incorporar essa dimensão da responsabilidade e cordialidade e profundo sentimento por todas as coisas, porque tudo o que existe merece existir e tudo o que vive merece viver. Todos os seres, por mais humildes que sejam, têm um valor intrínseco em si mesmos. Não apenas porque se ordenam ao uso humano, cada ser gera algo para o universo que mostram a possibilidade de a energia transpor as possibilidades que estão presentes no processo da evolução.
Nós temos que preservar, portanto, para além dessa razão instrumental analítica, o espírito do cuidado, humanitário, a sensibilidade profunda que nos faz abraças o mundo e as pessoas como irmãos e irmãs de uma grande família. Fundamentalmente, devemos resgatar a nossa capacidade de cooperação. A lei suprema do mercado e da economia é a competição, é a concorrência. Por isso que na concorrência só um ganha e todos os demais perdem. Quando a lei básica do universo, nisso os astrofísicos e cosmólogos insistem cada vez mais, não é o darwinismo biológico da vitória dos mais fortes, porque se isso fosse verdade os dinossauros estariam aqui até os dias de hoje, porque há 133 bilhões de anos eles foram soberanos neste planeta.
A lei fundamental do universo é da cooperação de todos com todos, é a rede de relações, um ajudando o outro para que todos possam viver livres dentro dessa imensa biodiversidade. Então, hoje nós temos mais do que nunca que viver essa dimensao da solidariedade, da cooperação de todos com todos no ciclo da natureza se nós quisermos ter uma mente ecologicamente orientada, que ajude a ver diferentemente a terra, vê-la como mãe, como um super-organismo vivo e não termos vergonha de nossas raízes terrenais humildes. Viver aquela vida de São Francisco, que abraçava todos os seres e se sentia irmão do sol, irmão da lua e com isso estabelecer uma imensa fraternidade, uma vida de paz dos seres humanos com a terra. Na verdade nós estamos fazendo uma guerra contra Gaia. O último livro do grande folósofo da ciência Michel Serres se chama isso, Guerra Total, diz que até hoje fazemos guerras de exército contra exército, depois de nação contra nação, depois de cultura contra cultura. Hoje, a humanidade inteira se reuniu para fazer uma guerra contra Gaia, atacando-a em todos os lados, no solo, no ar, todas as frentes para derrotar Gaia. Não teremos chance se derrotarmos Gaia, estaremos perdidos, porque o nosso paradigma civilizatório nos fez isso. Nos colocou em cima para eliminá-la e não ao pé dela pra proteger e manter a vida.
Por último, uma ecologia integral, isto é, entender que somos parte do imenso universo, que nos pertencemos ao sistema solar, que um sol vagabundo de quinta categoria, pequeno, entre outros milhões de sóis que existem, e uma galáxia média, via láctea, que é uma entre outras milhões de galáxias, que somos parte desse universo, que todos nos somos sustentados pelas quatro energias que ninguém sabe defini-las porque precisamos delas pra definirmos, que é a forca gravitacional, a energia eletromagnética, a energia nuclear fraca e forte. Essas quatro energias se que sustentam o universo inteiro, sustentam cada um de nós e atuam sobre os processos naturais históricos. E hoje nos compreendemos e talvez seja necessário recordar algumas datas que contam a nova cosmologia, ou seja, a nova visão que temos do universo, do planeta terra, da humanidade de cada um de nós.
Uma data importante é 1924, quando um astrônomo amador inglês descobriu que não existe só uma galáxia como a nossa, pra ele existiam cem, e que todas as galaxias estão em rota de fuga, tão fugindo uma da outra, que o universo está em expansão. Portanto, o natural não é a permanência, o natural é a evolução, é o movimento. Em 1927, um astrônomo belga, padre, Georges Lemaitre, numa conferência, diante de Einsteisn, levantou a hipótese que se todas as estrelas estão se afastando, fugindo uma da outra, é sinal de que elas estavam em algum momento juntas e aí começaram a se afastar, e levantou a hipótese do big bang, aquele pontozinho extremamente carregado de energia, que depois se inflaciona, cresce e vai produzindo o universo em expansão. E Einstein considerou isso uma hipótese louvável para entender o universo em expansão e a auto-criação. Ele, que até aquele momento achava que o universo era fixo, um sistema fechado. Agora é um sistema aberto. E essa prova foi trazida em 1965 por dois grandes cientistas americanos, Arno Penzias e Albert Wilson, que captaram de todas as partes do universo, um pequeno ruído, mas constante, de forma aguda, e depois os cientistas analisaram a luz das estrelas mais distantes, como um último fossil, um último eco da grande explosão. E tomou como referência a galáxia mais distante que chega a nós na velocidade na velocidade da luz, recompondo a luz vermelha que chega a nós, disseram: “O universo tem 3,7 bilhoes de anos.” Então todos nós estávamos juntos naquele pontozinho, milhares de vezes menos que uma cabeça de alfinete, carregados de energia e matéria, que depois se expansiona a um tamanho macro, ao tamanho de uma maça e o grande big bang permitiu então jogar essa energia enorme e criar as grandes estrelas vermelhas dentre as quais se formaram todos os elementos físico-químicos que formaram os seres, também explodiu e formaram todos os seres por todo o universo, criaram os sóis, via-lácteas, criaram as condições para que a evolução chegasse à complexidade e cada vez mais densa até irromper na existência como consciência. Então a vida é um capítulo da história do universo e a vida humana um sub-capítulo menor da história da vida, nós pertencemos a esta imensa história. Estamos no quadro geral de todas as coisas. Um pequeno planeta como o nosso, que está no sistema solar 27 mil anos-luz do centro da galáxia da espiral, pequenino, um planeta irrisório que nem a terra, mas há energia suficiente para surgir a vida e cada vez mais se regulando à auto-consciência e nós estamos aqui para pensar tudo isso.

Esse grande cientista, talvez o maior de hoje, Stephen Hawking, disse em seus dois grandes livros, Uma Breve História no Tempo, e o outro, Nova História do Tempo, disse que naqueles bilionésimos frações de segundos depois do big bang as energias não tivessem se equilibrado de uma forma tão sutil que impedisse uma expansão demasiada não haveria estrelas; ou se atraísse de tal maneira todas as coisas, ela explodiria sobre si mesma e não haveria seres, mas houve um caos e se formaram as estrelas, criaram-se as condições para a emergência da vida e emergisse aquilo que nós somos agora. Porque se fosse uma fração milionésima de segundos diferente outro seria o mundo e nós não estariamos aqui para falar isso. Por isso que o Stephen Hawking e outros grandes cientistas falam do princípio cosmológico, isto é, a energia que está dentro de nós, que leva para frente e deixa cada vez mais estruturada e a realidade, cada vez mais complexa, o irromper da vida, da consciência, da capacidade para o amor entre os seres humanos. Esse principio cosmológico atua continuamente. Os cientistas chamam por um nome muito infeliz, de vácuo quântico, quer dizer, vácuo não tem nada, é aquele abismo que contém todas aquelas energias que vêm à tona, que estão agindo atrás de todos os seres, atrás de todos nós, nos mantendo vivos em sistemas e mantendo eterno diálogo entre os seres, trocando informações, nos enriquecendo. E tudo isso forma nossa vida, nós fazemos parte desse universo. Todos os povos originários, os indígenas vivem essa dimensão de sentir-se filhos e filhas do sol, sentir-se unidos ao universo, as enrgias, a água, a montanha, isso é natural. Nós, não. Nós nos exilamos da terra, nós exilamos a nossa capacidade de sentir. O que importa é retornar a terra como a nossa grande mãe, sentir que somos parte deste imenso universo. Poder celebrar, poder louvar, poder sentir que vivemos situações certas, nada indefinidas, mas que a proposta fundamental que rege todo o passado, que permitiu que chegássemos até aqui, porque se fosse impossível, se houvesse demasiadas catástrofes, ou desvios ou atalhos nós não teríamos chegado até aqui. Se chegamos, como diz o grande David Bohn, é como se o universo intuísse qua lá na frente iriam submergir os seres humanos e organizasse todas as coisa para que ele finalmente nascesse. Quando estavam vivos os dinossauros, nosso ancestral humano, do tamanho de um coelho, vivia a 70 metros de altura, tremendo de medo, para não ser devorado pelos dinossauros, alimentando-se de flores. Ninguém saberia que desse pequeno animal iria surgir o ser humano. Quando desapareceram os dinossauros, ele pode descer e fazer sua trajetória. Se nos perguntássemos qual é o proximo passo, possivelmente diríamos que o próximo passo era ter mais dinossauros, maiores ainda, mais devoradores. Não. O próximo passo era outra coisa, era a fragilidade do ser complexo, que foi evoluindo até emergir ao primatas, e dos primatas os seres humanos, do ser humano o homo sapiens até o homem moderno de hoje, que somos nós. E toda a sua história está ligada ao universo inteiro, com suas energias, nós estamos imersos nessas energias, importa invocá-las para que elas nos socorram, principalmente neste momento. E é por terminar, é nesse contexto que nós colocamos a questão teológica, porque se dizemos que tudo veio daquele big bang e nem sou eu que coloco, é o próprio (inaudível), que colocou num debate acadêmico nos Estados Unidos. Quando ele diz: “O que havia antes daquele pequeno pontozinho que explodiu?” E ele responde: “Nós não sabemos.” Não pode ser o nada, porque do nada não vem nada. O que nós podemos dizer é que antes havia o inefável, havia o mistério, havia o indefinido. Pois são exatamente os nomes pelos quais na tradição religiosa dá-se o nome daquilo que nós chamamos “Deus”. Havia o inefável, o mistério, criou-se aquele pontozinho, o que está por trás de toda essa energia que vem produzindo o processo de evolução. As religiões tem de ter a coragem de tirar essa energia poderosa do anonimato, ter coragem de dar-lhe um nome, chamá-la de Caos, de Vida, de Javé e, finalmente, de Deus. Por isso mais do que nunca é importante que nós realizemos essa atitude, porque ela tem como consequência o sentimento de profunda reverência, profundo respeito, profunda espiritualidade. É aquilo que os astronautas nos legaram quando suas naves espaciais olhavam pra terra e diziam: “Daqui de cima não há diferença entre terra e humanidade. É uma unidade só, um pequeno planeta que cabe na nossa mão, podemos escondê-lo atrás do nosso polegar, mas tudo que é de grandioso, de adorável, as nossas familias, nossa pátria, nossa casa. Nós só temos aquele pequeno planeta, temos que aprender a amá-lo. Quando perguntaram a Asimov, esse grande cientista, qual é o grande legado que a humanidade fez com as viagens espaciais, ele só respondeu para a revista Time com essa resposta: “O grande legado foi termos a consciência de que terra e humanidade é uma unidade só.” Não é que a terra está aqui e a humanidade está ali. Não é que a bisofera esta aqui e a terra esta ali, é uma totalidade só. As religioes nos transmitem esse sentimento que os astronautas setiram, de profundo respeito e reverência, eles diziam, nós choravamos, nós gozávamos, nós adorávamos o criador de todas as coisas. E esse pequeno planeta azul e branco, resplandescente, que é a nossa casa. É essa reverência, é essa experiência religiosa que nós temos que resgatar. Todas as ciências, todas as instituições devem ajudar a encontrar uma atitude adequada. Então a grande função das religiões e do cristianismo não é falar da natureza, mas falar de criação, que nos remete ao criador. Ensinar ao cuidado a reverência, reverenciarmos os textos sagrados, a obra, mas todo o ser que revela o criador, de onde todas as coisas vem, para onde todas as coisas retornam, o nome que a ciência dá para toda essa realidade poderosa, para essa energia que cria todas as coisas, que não tem nome, mas que nós lhe damos um nome, o nome do nosso amor, da nossa reverência. Então as religiões devem suscitar essa capacidade do ser humano, porque essa reverência, é o cuidado, é o respeito que vão por limites em nossa voracidade, que vão reeducar nossa vontade de dominação. Se a escritura diz iluminai a terra, nos devemos iluminá-la como Deus iluminou. A criação foi entregue à consciência, dominai a criação, mas dominai, não a estragueis, porque se vocês a estragarem não haverá ninguem depois de vocês que vai resgatar. É nessa percepção que as religiões, que as igrejas devem dar e colaborar com a humanidade, que estamos impregnados com essa energia poderosa que nós chamamos “Deus”, “espirito sagrado”, que sonha na flor, espírito que está no animal, espirito que sabe, que sente o ser humano. Este espírito criador é o Deus das religiões. Essa espirritualidade nos leva ao respeito, à solidariedade, ao cuidado e a preservação. Se nós não dermos essa colaboração, nós poderemos ser cúmplices de uma catástrofe e não sobreviverá ninguém.
Eu termino dizendo que a nossa situação hoje, no meu modo de ver, não é de tragédia, mas é de crise, e toda crise isola, purifica, é uma oportunidade que permite um salto de qualidade pra frente. Nós todos somos convocados a atravessar essa crise e purificados para que se evite a tragédia. E que a terra e a humanidade deem um salto na direção para mais unidade, mais integração de todos, mais amor à natureza, mais cuidado com todos os seres, especialmente os seres vivos, entre os seres vivos os seres humanos, e entre eles os que mais padecem, que são as grandes maiorias da humanidade, que são as vitimas da exploração da fome e da miséria.
Termino com a referência do livro da Sabedoria, capítulo 12: “Senhor, tu criaste todas as coisas, todas elas te pertencem. Protege-as, protege-as porque tu és o soberano amante da vida.” Nós cremos nesse soberano amante da vida, que não vai permitir que a morte triunfe sobre a vida, mas vai permitir que a colaboração fale mais que a competição. Que a vida vale mais que a morte, que o planeta terra tem como Deus e seu senhor, e nós, os seus hóspedes, seus inquilinos, seus cuidadores, o jardim do Éden que devem cuidar e proteger. Muito obrigado!

O afinado Peterson Colares numa conversa com Leonardo Boff ao final da palestra.
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