“Aqueles que protestam não aceitam a ideia de viver num mundo que para tantos é definido pelo medo, a injustiça, a pobreza e a falta de liberdade.”
Toni Negri e Michael Hardt
Ontem à tarde, como ocorre há 16 anos em todos os 7 de setembro, dezenas de organizações populares e milhares de pessoas se reuniram numa proximidade democrática de visibilização das lutas de resistência a todas as formas de opressão e construção de um outro mundo possível.
Este ano o 16º Grito dos/as Exluídos/as veio com o tema “ONDE ESTÃO NOSSOS DIREITOS? VAMOS ÀS RUAS PARA CONSTRUIR UM PROJETO POPULAR”. E a multidão se apresentou próximo ao Terminal 3, zona Norte de Manaus, onde começaram as manifestações de protesto e performance de contestação ao atual estado de coisas.
A Afin, que esteve em todos os anos desde a sua fundação, estava lá movimentando a Campanha Spinozista para Além do Ficha Limpa – Vote para não ter que limpar! -, e este bloguinho se envolveu em conversas e ações para desbloqueio das capacidades de agir e faz potencializar o Grito alegre e evocativo de causas de direitos sociais, posicionamentos contra a corrupção, a favor do meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas, entre outros, numa verdadeira polivocidade que reverbera para afirmação da vida.
“A presença da juventude no grito dos excluídos e das excluídas mostra um protagonismo que nos alegra. A juventude não é um futuro. Ela é um presente. E protagonizar a juventude, mostrar os seus direitos, que tem que hoje não usufrui é responsabilidade nossa da sociedade, e agente vê aqui nesse grito a manifestação da juventude que já fala de política, procura se conscientizar, e, lembrando, nós estamos num período eleitoral, quem mais sofre com eleições são a juventude. É a falta de espaço para lazer, espaço educacional, de saúde, tudo isso a juventude sofre e hoje ela se torna marginalizada pela ausência dessas políticas públicas, por isso nós no grito ficamos muito felizes vendo essa juventude participando, essa juventude gritando, mostrando que é excluída e o que é mais importante exercendo a sua cidadania no ato de crescer politicamente e que possa fazer com que nessas eleições a gente tenha candidatos ficha limpa mudando o quadro da sociedade no nosso Brasil.” (Moisés Aragão, do Fórum Permanente de Políticas Públicas)
Acima, acompanhado pela moçada da Afin, o companheiro Praciano, que participa todos os anos do Grito. Praça, conhecido pelo seu posicionamento ético, falou que o Grito dos Excluídos “é fundamental porque é um dia que congrega diversas vozes que atuam em diversas frentes e vem compartilhar nesse momento suas lutas e conquistas, e isso tudo reunido auxilia no fortalecimento da democracia”.
E a multidão já ganhava as ruas em passeata, entoando cantos, lançando falas de mobilização, com denúncias da degradação das condições de vida e propostas reais de defesa dos direitos humanos indispensáveis para o alegre existir seja na cidade seja no campo.
Dom Demétrio Valentin, presidente da Cáritas do Brasil, uma das entidades mais atuantes no país na promoção dos direitos humanos, estava presente e lembrou que essa caminhada começou há 16 anos atrás, inspirada no Grito da Amazônia.
“Nossa caminhada valeu. Ampliando nosso horizonte, valeram os quinze anos do grito dos excluídos? Claro que valeram e agora eu vou revelar aqui para vocês esse dia que eu considero histórico, sabe por que a alegria de estar aqui com vocês aqui em Manaus e lembro-me muito bem, quinze anos atrás do Grito dos Excluídos e sabem de onde nasceu a ideia? É que naquele tempo havia o Grito da Amazônia e aquilo nos inspirou para dizer o que podemos fazer para acabar com a exclusão no país. Vamos fazer um Grito dos Excluídos e ai a ideia brilhou, inspirado no Grito da Amazônia e foi um movimento para despertar a consciência do Brasil para a importância da Amazônia e esse movimento foi batizado de Grito da Amazônia e, olhando para trás, concluindo esse 16º Grito dos Excluídos, percebemos que o povo brasileiro foi se unindo mais, o povo ficou mais consciente, ficou mais esperto, ficou mais unido, agora temos mais conquistas garantidas, mas temos ainda muita coisa pela frente com certeza, mas é bom reconhecer, por exemplo que a Ficha Limpa é fruto de uma batalha popular, é fruto de nossas articulações, da presença de nossos movimentos sociais, da nossa pressão junto ao congresso, e que a Ficha Limpa tenha que ser instrumentalizada, mas um instrumento nós temos nas mãos para fazer dela um aprimoramento de nossa prática democrática e saudando a todos, nos alegrando por sermos brasileiros, amazonenses, nossa caminhada valeu.”
Lembrando também que encerrava-se, justamente no Grito dos Excluídos, o Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra, onde as pessoas que ainda não tinham tido a oportunidade de assinar o faziam ali durante a caminhada.
Nessa linha, o companheiro Adnamar Santos, da Assessoria Amazonense de Reforma Urbana, muito bem fundamentado na luta pela moradia digna em nosso estado, trouxe muita informação e a demonstração da disposição de movimentar essa causa.
“Desde 2005 nós realizamos um seminário de habitação popular lá na UFAM, onde nós apresentamos a proposta de criação de um conselho de um fundo de habitação de interesse social de forma que setores organizados da sociedade pudessem ter acesso para discutir a política de investimentos na área de habitação, saneamento, regularização fundiária e uso e ocupação do solo no Estado do Amazonas. Tem a lei Federal, que é a lei 11.124, aprovada em junho de 2005, ela diz que nos estados e municípios tem que se criar os conselhos nas cidades para que os governos municipais e os governos estaduais e do Distrito Federal possam receber recursos do Fundo Nacional de Habitação de interesse social. A resolução número 30, de novembro de 2009, determinou que os estados e municípios têm que criar esses conselhos para que eles possam receber recursos da União para aplicação em infra estrutura, entre elas habitação. A Prefeitura de Manaus e o Governo do Estado do Amazonas não criaram esse espaço que, pra nós, é um espaço de diálogo, é um espaço democrático para discutir os grandes conflitos que nós temos no Amazonas, entre elas buscar alternativas para o déficit habitacional que é de 146 mil unidades no Estado do Amazonas. Eles não criaram e por isso o Amazonas não está recebendo esses recursos. E a gente acredita que essa é uma postura antidemocrática do governo do Amazonas. Eles já deveriam ter criados isso porque foram dois mandatos do ex-governador Eduardo Braga, candidato ao Senado, e não criou e não foi porque nós não fizemos propostas, não foi porque nós não fomos para as ruas. Nós fomos para as ruas, realizamos seminários, trouxemos a Relatoria do Direito Humano à Moradia a Manaus em 2005, em 2008 retornou para fazer um monitoramento, fomos à Comissão do Direito Humano no Congresso Nacional, fizemos essa denúncia ao Conselho Nacional das Cidades, ao MPE, mas parece que as coisas não encaminharam por falta de uma posição política do nosso governo e também das instituições de justiça de nosso Estado. Nossa caminha no 16º Grito é para mostrar essas verdades que não aparecem, porque nessa campanha eleitoral aparecem muitos bons candidatos ai defendendo a bandeira da reforma agrária, reforma urbana, defendendo a bandeira da gestão democrática mas que nunca estiveram com a gente, alguns já como deputados estadual ou federal mas não quiseram fazer essa defesa no Congresso e nem na ALE e muito menos na Câmara Municipal, porque eles estão viciados com aqueles que podem pagar e nós, dos movimentos sociais, discutimos propostas que beneficiam o coletivo e não aquela que beneficiam um grupo político ou um certo sistema do capital que é responsável pela construção de grandes edifícios na nossa cidade, mas que não querem construir casas populares porque não vão ganhar muito.”
O companheiro José Ricardo, que também participa todos os anos, mais uma vez falou a este bloguinho sobre o significado e importância do Grito.
“Participei de todos os 16 gritos dos excluídos e ele é importante porque mostra muitas questões, problemas de nossa cidade, do nosso Estado, principalmente neste momento político. E eu destaco neste Grito a presença da juventude. Isso é muito bom, que ela participe das discussões sociais, sobre os problemas, reflita sobre as lutas e talvez falte mais presença dos segmentos excluídos aqui para se manifestarem diretamente, mas é um gesto que a Igreja Católica e vários segmentos da sociedade realizam num dia que se diz que é o dia da Independência do Brasil. Mas ainda há muita dependência dos pobres, há muito clientelismo dos políticos, tudo isso tem que ser combatido e o Grito é um sinal, um gesto, é uma maneira de a gente reforçar nossa luta do dia a dia.”
Padre Alcimar, que participa em todos os anos da realização do Grito, foi quem fez a avaliação de mais um ano dessa caminhada.
“O grito desse ano foi muito bom, contou com a participação de mais pessoas comparando com o ano passado. A gente percebeu a maior participação inclusive nas apresentações. Conseguimos colocar melhor as nossas pautas do que no ano passado e esse trajeto menor possibilita ter uma parada mais longa e isso possibilita, portanto, uma melhor apresentação dos trabalhos. Agora para esses trabalhos de teatro, se tivéssemos um palco era melhor, pois nos casos das apresentações foram no solo e algumas pessoas puderam assistir, outras só ouviram. Mas penso que nesse histórico de Grito dos Excluídos essa é a primeira vez que a gente pode realmente dizer que nós temos um ponto que é fruto da luta coletiva, que é a lei 135/2010, da Ficha Limpa, que tem possibilitado muitos corruptos como Garotinho, Roriz, Jader Barbalho, no Pará, e os outros nossos daqui que estão fora que nos jornais apareceram furiosos, mas graças a Deus é isso mesmo é fruto da luta, que o Grito animou as pessoas, para que elas nas suas lutas cotidianas, seus movimentos, nas suas comunidades continuem. O Grito tem essa grande função e a presença de Dom Demétrio Valentin confirma isso, porque foi um dos iniciadores do Grito dos Excluídos e está presente aqui na 16ª edição, para a gente é importante. Conseguimos chegar a contento e incentivar as pessoas nas suas lutas.”
E assim as diversas entidades – pastorais, ONGs, movimentos sociais – realizaram a denúncia do modelo político econômico que flagela a maior parte da população, tornando pública a rostidade dessa multidão de excluídos que sofre com a miséria, a fome, para quem os direitos humanos não existem e as constituições não se cumprem. A partir dessas linhas, muitas propostas já em andamento são fortalecidas e novas vão sendo tecidas como alternativa ao sistema neoliberal, na formação de uma nova democracia, uma democracia absoluta, como queria o filósofo Spinoza, na qual não se mantenham as formas de soberania, e a multidão, a partir do comum, participe com toda a sua inteligência e afetos num diálogo aberto e plural.
“… um coro que falava em comum contra o sistema global.”
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