Já há alguns anos a Bandinha do Outro Lado, um dos vetores-criança da Associação Filosofia Itinerante (Afin), atualiza a potência lúdica de Dionisiozinho no domingo-gordo de carnaval no Bairro Novo Aleixo, Rua Rio Jau, Zona Leste de Manaus. O território mais pobre dessa não-cidade.
É um território pobre não por carência de inteligência, volição, talento, saber e ética, de suas populações, mas por carência de satisfação das necessidades naturais básicas do homem. Insatisfações resultantes das desumanas administrações públicas impostas às populações dos bairros menos atingidos pelos serviços públicos. Um território onde sua população subsiste na ordem do desemprego, subemprego e salário-mínimo. Uma ordem cruel que se não fossem as políticas públicas do governo federal, a realidade seria muito mais perversa. Um estado de coisa angustiante promovido pelos desgovernos das direitas que se apossaram há, quase, trinta anos da capital.
É nessa situação, como diria o filósofo francês Sartre, se engajar na situação em que se estar como sujeito-histórico responsável pela produção de sua existência, que a Afin tenta produzir junto com a comunalidade novos modos de ser, sentir, ouvir, ver e pensar. E a Bandinha do Outro Lado carrega esses corpos de sabedorias e afetos produzidos pelas crianças, capazes de revelarem essas novas dimensões de existir. Uma festa no sentido dionisíaco do conceito e da práxis que só as crianças podem atualizar.
Pois foi exatamente essa experiência devir-criança que novamente foi possível observar e acreditar que só o movimento real pode superar os estados de coisas alienantes de uma cultura dominantemente perversa. Nada como o brincar-criativo transformador. Transformar a forma estereotipada-estabelecida.
Em um percurso muito simples a Bandinha do Outro Lado – que não tem lado, como a vida que flui sem seguimentaridade – atualiza seu virtual-lúdico. Sai da casa onde são realizadas as sessões de cinema do vetor-Kinemasófico – melhor dizendo, a casa da Miariam que emprestas parte de sua casa para a Afin -, percorre algumas ruas do bairro e volta para o mesmo local, onde a festa continua. Depois da folia, é realizado o ‘desbrocante’ infantil, porque criança embora seja a potência-vital, não é de ferro.
Um ritmo diferente que ocorreu nesse ano de 2014, foi à participação de crianças afinadas na orquestra. Além das crianças usarem instrumentos industrializados, elas também fizeram uso de instrumentos artesanais criados por elas com a orientação do mestre Alci Madureira.
No mais, foi uma festa daquelas que o capitalismo predador odeia. Uma festa onde o princípio principal é a dignidade humana.
Uma crônica: “Um dia em minha vida”,
Domingo gordo de carnaval. Acordei neste dia ansiosa. À tarde, por volta das 17:00 horas desfilaríamos na Bandinha do Outro Lado da Associação Filosofia Itinerante – AFIN pelas ruas esburacadas, cheias de lixo do bairro Novo Aleixo na Zona Leste de Manaus. Às dezessete horas meu coração cantava: “Tá, tá, tá, tá na hora do nosso carnaval; abram alas porque tô que tô; a bandinha do outro lado já chegou.” Com essa marchinha inúmeras crianças da minha idade, fantasiadas de Colombina, Pierrôs, Sátiros, carregando adereços, brincamos, dançamos, pulamos comemorando a maior festa popular do Brasil,o nosso carnaval. Depois da folia,veio o “mata-broca”: guloseímas, sanduishes, bolo de chocolate, sucos, arroz, frango desfiado, farofa, vatapá e maria-mole para repor as energias dos foliões mirins que não são nada duros. Foi um dos dias mais felizes da minha vida,porque participei de uma festa que jamais poderá deixar de existir, e promovida neste bairro pela AFIN por ser de participação popular onde o povo, e nós crianças, brincamos,pulamos para renovar energias para construir um Brasil melhor.
Beatriz Baima Braga Rosas.