
O futebol teve seu corpo projetado na estrutura do sistema capitalista inglês. Era uma forma de entretenimento para a burguesia tanto como participante do esporte como também espectadora. Entretanto, nunca deixou de ser um território dos mais rudes. Nos países mais explorados pelo capital e, onde o esporte era bem aceito, serviu para alguns jovens encontrarem nele uma segurança, principalmente, quando se tornou uma profissão.
No Brasil, onde a crônica futebolista cognominou de país do futebol, em função da realidade biológica, étnica e histórica o futebol passou a ser o esporte mais apreciado e praticado. É muito difícil se encontrar alguém, seja mulher ou homem, que não saiba controlar a pelota e dar seus dribles. Mas quis também o sentido cruel de propriedade privada que o futebol ficasse ligado a pessoas que fizeram dele meios de lucros.
Enquanto a Europa organizava em empresas os clubes de futebol, no Brasil os Euricos Mirandas se tomavam como proprietários dos clubes. Para esses chamados cartolas o que interessava (e ainda interessa para muitos) mesmo era contratar jogadores de lhes auxiliassem em suas carreiras de capitalistas-futebolísticos. Com essa consciência exploradora, não se preocupavam com a existência afetiva e cognitiva dos jogadores.
Foi nessa subjetividade opressiva que a maioria dos jogadores brasileiros adentrou e se perdeu. Aí, foi cunhada a enunciação “não há vida inteligente no futebol”. Não só em relação aos jogadores, mas também em relação aos dirigentes e profissionais do jornalismo esportivo. Salvo raríssima exceção como Paulo César Caju, Afonsinho, Sócrates, Raí, Marcial, Wladimir, Casagrande, um pouco Zico, e outros poucos. Nem Pelé, conhecido como rei do futebol, saiu da vida sem inteligência. Tanto é que Maradona, um dos raríssimos, o chama de garoto propaganda da FIFA. E com toda razão. Algum vascaíno pode perguntar: “E o Romário não é raríssimo, também?” Não. Romário só pronuncia clichês. E os clichês não refletem pensamento, porque são signos linguísticos desativados. Não servem para produção de pensamento.
Foi, então, que mesmo participando da regra, contra a exceção, e por ser conhecido mundialmente (não pela inteligência) que Ronaldo foi convidado para ser um dos membros da organização da Copa do Mundo. Assim, como Lula convidou o escritor de devaneios-pessoais, alienação metafísica, Paulo Coelho, para o acompanhar no tempo da escolha das sedes para essa Copa. Como o jogador Ronaldo é sujeito-sujeitado do mundo futebolístico sem inteligência, era de se esperar que seus pronunciamentos fossem apenas a confirmação da linguagem instrumental, também em forma de clichês. Uma linguagem muito bem situada e usada pelos meios de comunicação que são contrários aos governos populares e que se pretendem criadores da opinião pública.
Aí, não deu outra. Ronaldo reverberou a afasia da comunicação midiática alienígena.
“E de repente chega aqui essa burocracia toda, uma confusão, um disse me disse, são os atrasos. É uma pena. Eu me sinto envergonhado, porque é o meu país, o país que eu amo, e a gente não podia estar passando essa imagem para fora”, lançou sua mimeses linguística, Ronaldo.
Ronaldo fala em burocracia sem saber o que seja. Fala em vergonha por causa de futebol no mesmo tom que o conservador Boris Casoy, ecoa. É risível. No primeiro caso não se vai exigir do jogador um entendimento sobre burocracia nos pensamentos dos filósofos Hegel e Marx. E no segundo, não querer que ele saiba com Marx o que seja vergonha. É querer demais.
Mas, como Dilma não fala através de clichês, ela aproveitou seu discurso junto a União da Juventude Socialista, para colocar o jogador de futebol no seu lugar de porta-voz das mídias alienígenas.
“A Copa do Mundo se aproxima, tenho certeza que nosso país fará a Copa das Copas. Tenho certeza da nossa capacidade, do que fizemos. Tenho orgulho das nossas realizações, não temos do que nos envergonhar e não temos complexo de vira-lata, tão bem caracterizado por Nelson Rodrigues se referindo aos eternos pessimistas de sempre”, discursou Dilma.
É claro que Nelson Rodrigues não é lá uma boa indicação de referência. Ele era um reacionário apoiou a ditadura enquanto seu filho era preso e torturado. E além de que, ao relacionar o cachorro com o psicológico e a moral humana ele se mostra um seguidor do antropomorfismo. E os animais dispensam essa comparação feita por ele: complexo de vira-lata. A lata como objeto de colocar lixo, é produção do homem e não do cachorro.
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