O filósofo Nietzsche diz que a moral existe para que o homem obedeça, não por que o ato de obedecer lhe traga um bem, mas pelo dever de obedecer. Obedecer a uma autoridade por tradição, o que se expressa depois como costumes. E quem cria as normas, os princípios morais é sempre alguém que é privilegiado em relação aos outros. Às vezes, uma classe, um grupo ou um indivíduo.
Obedecer é se colocar controlado por uma autoridade se torna presente através das leis, não por si mesmo. Todo homem controlado não é livre, diz Nietzsche, porque seus atos são expressões da moralidade. O homem livre não é moral, é criador de novas formas de existir que escapam as imposições da moralidade. Ele é o novo. O moralizado é sempre a tradição, o estabelecido. Aquele que já se sabe o que esperar dele.
As leis em uma sociedade são formas de controle que se justificam como o discurso de proteção à sociedade. Elas, em si mesmas, afirmam que o homem é um violador, posto que se assim não fosse não existiriam leis. Freud mostrou esse discurso em sua teoria da repressão dos instintos. O que significa: a lei condena antes do delito, do crime do pecado.
Antes da elaboração dos Dez Mandamentos os homens já matavam, roubavam – e como roubavam, só não como agora na pós-modernidade -, desejavam a mulher do próximo, praticavam adultério, não honravam pai e mãe, cobiçavam as coisas alheias, pecavam contra a castidade, levantavam falso testemunho, não guardavam domingos festas e guardas, não amavam Deus sobre todas as coisas, tomavam seu santo nome em vão, realizavam o que lhes eram de seus interesses.
Para o povo semita, os Dez Mandamentos surge como uma forma de controlá-lo através do principal elemento que produz a superstição: o medo. Como diz o filósofo Spinoza, o medo é a origem, a causa e o alimento da superstição. A superstição, como medo, nasce na imaginação através de ideias confusas. Moises sabia dessa realidade por isso usou-a para dominar o povo semita para que o Estado Hebreu fosse criado e protegido por eles mesmos contra os inimigos. Os chamados estranhos. É por essa realidade psíquica/sacro/política que Spinoza afirma que a Bíblia é um tratado político/teológico sobre a formação do Estado hebreu.
Dos princípios morais dos Dez Mandamentos o quarto, “Honrar Pai e Mãe” é o mais importante, porque ele implica elementos pedagógicos que vão participar da formação dos filhos e que serão refletidos em suas vidas adultas. Freud dizia que a criança é o pai do homem. Mas esqueceu de dizer quê homem. Se os pais são covardes seus filhos têm muitas possibilidades de se tornarem adultos covardes. As possibilidades surgem porque a família é um agenciamento coletivo de enunciação que leva seus membros a serem sujeitos dos enunciados, como dizem os filósofos Deleuze e Guattari.
Honrar é amar, mas amar alguém é preciso que esse alguém se mostre em si amante. O amor é a alegria acompanhada da ideia de uma causa exterior, o bom encontro que aumenta a potência de agir, diz Spinoza. Amar é si amar em alguém. Eu amo a mim mesmo no outro, porque o outro carrega sinais meus. Meu narcisismo, diz Freud. E ainda tem Lacan para desmistificar o conceito banalizado de amor. O amar é dar o que não se tem a alguém que não quer.
De qualquer sorte, o sujeito só pode ser honrado quando ele se honra. Toma-se amante no prolongamento do outro. Os filhos devem honrá-los, mesmo que eles não se honrem? Devem honrá-los só pela imposição da moral como obediência por eles serem seus pais? E os pais que não se honram não foram filhos também não honrados? Daí as interrogativas:
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Os filhos devem honrar pais alienados?
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Pais que sofrem de indigência sensorial e cognitiva?
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Pais analfabetos políticos?
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Pais analfabetos profissionais?
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Pais que conspiram contra a democracia?
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Pais golpistas?
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Pais que acreditam no que divulgam TV Globo, TV Bandeirante, SBT, Jornal O Globo, Folha de São Paulo, Estadão, Valor, Veja, IstoÉ, Época?
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Pais que votam em candidatos das direitas, partidos reacionários?
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País que querem a privatização da Petrobrás e a exploração do pré-sal por empresas estrangeiras?
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Pais que cultuam a Coca-Cola?
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Pais que foram, tiveram intenção de ir ou levaram seus filhos para a Disney?
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Pais que querem o impeachment da presidenta Dilma?
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Pais que são a favor da redução da maioridade
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Pais que são a favor do financiamento de partidos e candidatos por empresas privadas?
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Pais que são contra a demarcação das terras indígenas e quilombolas?
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Pais que são contra a democratização dos meios de comunicação?
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Pais racistas, homofóbicos, misóginos?
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Pais invejosos, odientos, pornofônicos?
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Pais que combatem o Bolsa Família?
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Pais que são contra o Minha Casa, Minha Vida?
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Pais que são contra o regime de cotas?
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Pais que são contra os direitos da empregada doméstica?
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Pais que são contra a saída dos pobres da linha de miséria?
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Pais que lutam contra a política de inclusão dos pobres?
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Pais que usam a internet para propagar o ódio?
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Pais que são contra o slogan das Olimpíadas 2016: “Somos Todos Brasil”?
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Pais que praticam a xenofobia?
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Pais que têm os negros e pobres como elementos perigosos e criminosos?
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Pais que compactuam com as ameaças de morte a Dilma e Lula?
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Pais que são contra o Mais Médicos?
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Pais que falam contra o comunismo sem jamais terem lido uma linha sobre tal regime?
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Pais que defendem os transgênicos, o agronegócio contra a agricultura familiar a agricultura orgânica?
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Pais que reverberam as fantasias fascistas de articulistas amestrados?
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Pais que adoram filme estrangeiro em detrimento do cinema nacional?
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Pais que cultuam a música estrangeira em detrimento da música brasileira?
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Pais que compactuam com posições nazifascistas de “jovens”?
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Pais que agridem personagens do governo Dilma, membros do Partido dos Trabalhadores e pessoas que se identificam a causa popular?
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Pais que discriminam o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)?
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Pais que defendem uma justiça partidarizada?
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Pais que acreditam que a corrupção começou no governo do PT?
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Pais que acreditam que justiça é a que lhe defende e protege?
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Pais que falam de democracia, mas não a praticam?
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Pais que aprovam os vazamentos seletivos da Operação Lava Jato?
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Pais que são contra a saúde pública, o transporte público, o entretenimento público e a escola pública?
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Pais que praticam a moral do “meu pirão primeiro”?
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Pais ambiciosos, capachos, covardes, egoístas, hipócritas, nepotistas, trapaceiros?
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Pais que “amam e honram” Deus só em seus benefícios e não em comunhão com todos?
Essas interrogativas levam a duas crenças. Os filhos que honram esses pais não precisam rezar e nem orar: já se encontram no paraíso. Quanto aos filhos que não honram esses pais, podem crer: o destino pós-morte é à direita de Satanás nos quintos do inferno. Sem direito a qualquer brisa!
Leitores Intempestivos