O reacionário é um sujeito-sujeitado aos enunciados que recebeu como verdade inquestionável desde seu nascimento. Por isso ele só reage e não age. Ele é uma insuportável consequência, jamais princípio. Como consequência, ele não suspeita de nada. Ele estar no mundo como uma ipseidade de classe. Um conservador dos valores de sua classe social. Ele é a igualdade de sua classe.
O reacionário conservador se mantém por força do mais baixo grau de conhecimento: o conhecimento do ver e ouvir. O conhecimento difuso. Disseram a ele: isso é uma mesa! Ele acreditou. Disseram você nasceu no dia tal. Ele acreditou. Mostraram para ele um negro e disseram: todos negro – eufemismo, o reacionário chama preto – é perigoso. Ele acreditou. Disseram toda mulher, mas não sua mãe, não presta. Ele acreditou. Disseram aquele rapaz é homossexual. Ele acreditou. E assim seus pais, professores e crentes falaram e mostraram para ele o que lhe era necessário.
Sem qualquer suspeita, tornou-se um sujeito-sujeitado do agenciamento coletivo de classe que os enunciados postos diante de si formaram. Tornou-se um preconceituoso. No sentido epistemológico-filosófico: alguém que emite opinião sem ter analisado os conceitos que recebeu. Só repete o significante-sem significado. O que significa que se trata de um ignorante-cognitivo.
Imobilizado no mais baixo grau de conhecimento ele faz os estudos primários, fundamental, médio, superior, mestrado, doutorado, pós-pós-doutorado. Tudo como forma instrumental: o saber que só serve para sua carreira profissional e sua classe. O quid –essência – de sua aposentadoria. Diria o filósofo Nietzsche: é um sujeito cativo. Sem qualquer suspeita do que seja o conhecimento de segundo grau e terceiro, que é o racional, como mostra o filósofo Spinoza, ele acredita que pode opinar contra o que não se coaduna com seus interesses.
Assim, como uma pessoa só atinge os conhecimentos de segundo e terceiro grau que se eleva do primeiro ao compreender as causas das coisas e passa a ser causa de si mesmo e chega ao conhecimento racional – ninguém nasce racional, afirma Spinoza, e por esse trânsito, Marx -, assim, também, se concebe a condição ética do existir ontológico. O que significa que ninguém pode compor eticidade preso em uma molaridade imposta pelo mais baixo grau de conhecimento. A ética é da ordem da racionalidade. Nenhum obsessivo, compulsivo, ressentido, má consciência, molar-paranoico, pode chegar à ética como condição humana.
Ética é uma questão de racionalidade. A racionalidade é a condição transcendente do homem para reflexibilidade: o refletir sobre sua própria condição de existir como sujeito histórico. A reflexibilidade, como diz o psiquiatra e filósofo Karl Jasper, é a síntese da reflexão do homem em relação ao objeto, matéria objetiva, que se tornou objeto da consciência dele derivada de sua vivência no mundo como expressão fenomenológica. Como consciência subjetiva e objetiva. O filósofo Heidegger chama de Mit-Dasein: Estar-no-Mundo-Com. O fundamento da existência autêntica. Os das existências inautênticas não a vivenciam.
Partindo desse quadro fica fácil compreender, quem saiu do mais baixo grau de conhecimento, por que filósofo Marx afirma que “a vergonha já é uma revolução”. Porque “a vergonha é uma espécie de cólera contra si mesmo”. Se envergonhar é antes ter sido traspassado pela dialética da “cólera contra si mesmo”. Se encolerizar contra si só é possível através da dialética da desalienação. Sair de si como subjetividade e se tornar objeto de análise de si mesmo fora de si. Como objeto de sua reflexão para compreender que se é no mundo e depois voltar desalienado como revolucionário. Ou seja: como sujeito envergonhado.
Mas envergonhado de quê? Da condição desumana imposta pela tirania de uma sociedade opressora que estimula o mais baixo grau de conhecimento que impede a subida para a racionalidade. O mais baixo grau de conhecimento que proporciona a hegemonia da mentira, inveja, ambição, ódio, cobiça, hipocrisia, covardia, desonestidade, desonra, trapaça, entre outros vícios burgueses defendidos pelos que não podem se envergonhar.
Encolerizar-se contra si começa com a suspeita de que o homem não vai bem. A psicopatologia-social tomou conta de sua existência. E que é necessário mudar essa condição psicopatológica-social. Mas quem se encontra adenso aos enunciados que lhe foram impostos como verdade, jamais experimenta a cólera contra si mesmo que lhe levaria a revolução pela vergonha. Quem não se lança a cólera contra si mesmo não pode nem falar sobre o conceito vergonha e muito menos balbuciar o conceito revolução.
Os honrados senhores e senhoras que formam o quadro das direitas alienadas dos malogrados existenciais nunca poderão experimentar o movimento da vergonha em suas psicopatologias-sociais. Não adiante esperar dessas direitas, honradez e brio em seus estados reacionários. Elas estão no mundo só para cumprir o que lhe impuseram como imobilidade fracassada da existência. Sua única função é conservar o que lhes impuseram como ordem a ser defendida.
Por estarem impossibilitadas de chegar à vergonha, às direitas não podem ser tidas por humanas, não podem “ser radical, tomar as coisas pela raiz, já que para o homem a raiz é próprio homem”, como afirma Marx. E as direitas são abstrações: não tem raiz. Portanto, nada de humano.
Leitores Intempestivos