

Matéria de Eduardo Maretti, da Rede Brasil Atual
São Paulo – Ao condenar Luiz Inácio Lula da Silva, o juiz Sergio Moro escreveu na sentença que poderia decretar a prisão do ex-presidente. Segundo o juiz, por “intimidação da Justiça” e dele próprio. “Aliando esse comportamento com os episódios de orientação a terceiros para destruição de provas, até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva”, anotou. Porém, observou que “a prisão cautelar de um ex-presidente da República não deixa de envolver certos traumas”. Por isso, Moro conclui que “poderá o ex-presidente apresentar a sua apelação em liberdade”.
A apelação será julgada pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (com sede em Porto Alegre) num prazo imprevisível, que pode ser de alguns meses a um ano e meio. O posicionamento do colegiado, composto por três desembargadores federais, pode ser positivo para Lula se o julgamento do caso do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto for considerado um precedente.
No julgamento, o relator João Pedro Gebran votou pela condenação, mas os desembargadores federais Leandro Paulsen e Victor Laus se manifestaram pela absolvição de Vaccari, por falta de provas. Segundo eles, a delação premiada não é suficiente como prova. “A existência exclusiva de depoimentos prestados por colaboradores não é capaz de subsidiar a condenação”, escreveu Paulsen.
Por outro lado, alguns aspectos são considerados preocupantes para Lula. Como o fato, amplamente divulgado pela mídia, de o desembargador Gebran, relator dos casos da Lava Jato no Tribunal, ser amigo de Moro.
Fora esse fato extrajurídico, a 8ª Turma também negou, na semana passada, dois pedidos de habeas corpusimpetrados pela defesa de Lula, um requisitando diligências para a produção de mais provas da defesa, e outro questionando um e-mail dos advogados do executivo Léo Pinheiro, da OAS. Os desembargadores negaram vários outros pedidos da defesa.
O advogado de Vaccari, Luiz Flávio Borges D’Urso, prefere não comentar o caso de Lula. Mas, segundo ele, no caso de seu cliente, a 8ª Turma foi tecnicamente correta, apesar do voto contrário (e vencido) de Gebran pela condenação. “No caso do Vaccari, a Turma se pautou por um julgamento absolutamente técnico, reconhecendo que só tinha palavra de delator e ausência de provas, o que levou à absolvição.”
Para D’Urso, não se pode prever o que acontecerá no julgamento do recurso de Lula e quais implicações poderiam estar envolvidas. “Cada caso é um caso, mas são julgadores experientes e qualificados. A expectativa é de que façam um julgamento técnico examinando o que tem nos autos”, diz.
D’Urso impetrou habeas corpus no TRF-4 para tentar anular a prisão de Vaccari. Absolvido pela mesma 8ª turma que vai julgar Lula, o ex-tesoureiro do PT continua preso por decisão de Moro, com base em uma segunda condenação no âmbito da operação Lava Jato. Na segunda-feira (10), D’Urso divulgou nota na qual volta a explicar sua argumentação contra as alegações de Sergio Moro para manter Vaccari preso.
“Nas informações, o magistrado confirma que somente existe mais uma prisão preventiva contra Vaccari, todavia sustenta sua manutenção. A defesa insiste que essa prisão preventiva ainda existente, a qual não foi decretada, surgiu na sentença condenatória de um segundo processo (o qual está em grau de recurso) e que não existem fundamentos para sua manutenção, pois as razões invocadas pelo juízo de primeiro grau reportaram-se aos fundamentos da decretação da primeira prisão atualmente inexistente por sua revogação”, escreveu o advogado.
Jornal GGN – Por meio de nota, os Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania (ADJC) repudiaram a sentença que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e meio de prisão, afirmando que ela é mais um episódio de perseguição política que utiliza o Poder Judiciário como instrumento de lawfare.
Os advogados apontam que a condenação é “baseada em juízo de convicção, porém sem provas”, algo que é característico de Estados de Exceção.
Leia a íntegra da nota abaixo:
Acabei de ler a sentença do juiz Sérgio Moro em relação ao ex-presidente Lula. Tenho segurança em afirmar que a peça é um lixo jurídico completo realizado com intenções exclusivamente políticas.
Na parte do triplex, ele não avança um centímetro em relação à peça do ministério público.
Elenca um conjunto de afirmações umas contra as outras a favor da propriedade por Lula e no fim ignora as peças contra e diz que a propriedade foi provada.
Quem duvidar, olhe.
É direito dedutivo com descarte de provas contrárias à opinião do juízo.
Mas o pior é a parte sobre lavagem.
O crime de lavagem é descrito como consequência da incapacidade do MP de provar a propriedade.
Como a propriedade não ficou comprovada, opta-se pela intenção de ocultá-la, um raciocínio que está mais para tribunais da época do nacional socialismo do que na boa tradição do direito empírico anglo-saxão.
Na sentença, não há nenhuma tentativa de traçar uma relação entre atos de ofício ou da presidência ou da Petrobrás e os recursos que a princípio seriam de Lula , como a lei exige.
Mas a grande pérola da sentença é a admissão pelo juiz que não houve ato de ofício.
Aí, ele cita algumas sentenças americanas, diga-se de passagem nenhuma da Suprema Corte nos EUA e uma decisão do STJ.
Claro que, como lhe convém, ele ignorou a decisão do STF sobre o assunto que diz que é necessário o ato de ofício.
Transcrevo para que os incrédulos leiam com seus próprios olhos:
Diz a sentença:
“866. Na jurisprudência brasileira, a questão é ainda objeto de debates, mas os julgados mais recentes inclinam-se no sentido de que a configuração do crime de corrupção não depende da prática do ato de ofício e que não há necessidade de uma determinação precisa dele.
Nesse sentido, v.g., decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, da lavra do eminente Ministro Gurgel de Faria:
“O crime de corrupção passiva é formal e prescinde da efetiva prática do ato de ofício, sendo incabível a alegação de que o ato funcional deveria ser individualizado e indubitavelmente ligado à vantagem recebida, uma vez que a mercancia da função pública se dá de modo difuso, através de uma pluralidade de atos de difícil individualização.” (RHC 48400 – Rel. Min. Gurgel de Faria – 5ª Turma do STJ – un. – j. 17/03/2017).”
Assim, caminha o estado de direito no Brasil. Um juiz medíocre, com uma sentença medíocre feita com base na dedução ou em direito comparado, ignorando a jurisprudência do país.
Mas, em tempo, não dá para deixar de notar a mudança de atitude de Moro e da Lava Jato.
Ele tenta se defender da acusação de parcialidade, ataca o juízo, não decreta a prisão preventiva, que ele deixa para a instância superior.
Os dias de Moro como herói parecem estar no fim.
*Leonardo Avritzer é cientista político, professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Como é natural diante de fatos de grande repercussão, na manhã de hoje os leitores do Globo puderam conhecer a opinião de artistas e intelectuais sobre a condenação de Lula a 9 anos e seis meses de prisão. A relação inclui, entre vários nomes, o teatrólogo José Celso Martinez Correa, a atriz Silvia Buarque, os cineastas Luiz Carlos Barreto e José Padilha. Mas falta a opinião de um dos mais conhecidos artistas brasileiros: Chico Buarque de Hollanda.
Consultado no fim da tarde de ontem sobre a possibilidade de dar sua opinião sobre o caso, Chico pediu tempo para pensar. Após alguns minutos, redigiu uma declaração e, por email, autorizou a assessoria a enviá-la ao jornal.
“O Globo faz a diferença”, escreveu Chico. E acrescentou, para não deixar dúvidas: “Quero que publiquem”.
Para quem não conhece o universo Globo, cabe uma explicação. A frase de Chico Buarque era uma ironia. Associava o Prêmio Anual do jornal, “Quem faz diferença” com o tom da cobertura dedicada à Lava Jato, na qual o Globo se destacou por um alinhamento automático com Sérgio Moro e a força-tarefa do Ministério Publico.
Em março de 2015, quando a Lava Jato se encontrava em seu primeiro ano, Sérgio Moro recebeu o Faz Diferença na versão máxima — Personalidade do Ano “Nós ficamos felizes porque é um reconhecimento da qualidade do trabalho”, declarou Sergio Moro, numa pequena fala de agradecimento. No editorial de hoje, o jornal analisa a sentença de 9 anos e meio de prisão em tom de celebração: “Depois de ter passado incólume pelo mensalão, montado pelo lulo-petismo no primeiro mandato, Lula não está conseguindo escapar do petrolão”.
O que ocorreu a seguir é um mistério. Conforme o 247 apurou junto a pessoas familiarizadas com o caso, a frase de Chico Buarque foi enviada à redação — mas não foi publicada. Não têm dúvida de que a declaração foi devidamente recebida.
Para o próprio Chico, o gesto constitui uma tremenda indelicadeza. Ele atendeu a um pedido feito pelo jornal e não teve direito sequer a nenhuma explicação. Para o público, foi uma forma de censura.
Os leitores do Globo foram impedidos de saber que, na opinião de uma personalidade influente na cultura do país, como Chico Buarque, o Globo “fez diferença” na produção da sentença de 9 anos e seis meses contra Lula. Com a sutileza que caracteriza tantos de seus versos, era uma forma de lembrar o papel do monopólio dos meios de comunicação — onde as Organizações Globo têm um lugar de liderança absoluta — no emparedamento do mais popular presidente de nossa história republicana. Foi uma forma do jornal se proteger de uma crítica — com a autoridade de Chico Buarque — a sua cobertura.
1. Não me proponho a exaurir o tema, tampouco entrar num embate próprio das militâncias partidárias, relatarei apenas as minhas impressões na tentativa de traduzir o juridiquês sem perder a técnica processual penal.
2. OBJETO DA CONDENAÇÃO: a “propriedade de fato” de um apartamento no Guarujá.
Diz a sentença: “o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua esposa eram PROPRIETÁRIOS DE FATO do apartamento 164-A, triplex, no Condomínio Solaris, no Guarujá”.
Embora se reconheça que o ex-presidente e sua esposa jamais frequentaram esse apartamento, o juiz fala em “propriedade de fato”.
O que é propriedade ?
Código Civil – Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Portanto, um “proprietário de fato” (na concepção desse juiz) parece ser alguém que usasse, gozasse e/ou dispusesse do apartamento sem ser oficialmente o seu dono.
Esse conceito “proprietário de fato” não existe em nosso ordenamento jurídico. Justamente porque há um outro conceito para caracterizar essa situação, que se chama POSSE:
Código Civil – Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
E não foi mencionada na sentença qualquer elemento que pudesse indicar a posse do ex-presidente ou de sua esposa do tal triplex: tudo o que existe foi UMA visita do casal ao local para conhecer o apartamento que Léo Pinheiro queria lhes vender.
Uma visita.
Portanto, a sentença afirma que Lula seria o possuidor do imóvel sem nunca ter tido posse desse imóvel. Difícil entender ? Impossível.
3. TIPIFICAÇÕES:
– corrupção (“pelo recebimento de vantagem indevida do Grupo OAS em decorrência do contrato do Consórcio CONEST/RNEST com a Petrobrás”)
– lavagem de dinheiro (“envolvendo a ocultação e dissimulação da titularidade do apartamento 164-A, triplex, e do beneficiário das reformas realizadas”).
4. PROVAS DOCUMENTAIS: um monte de documento sobre tratativas para compra de um apartamento no condomínio do Guarujá (nenhum registro de propriedade, nada que indique que o casal tenha obtido sequer a posse do tal triplex) e uma matéria do jornal O Globo (sim, acreditem se quiser: há NOVE passagens na sentença que fazem remissão a uma matéria do jornal O Globo como se prova documental fosse).
Esse conjunto de “provas documentais” comprovaria que o ex-presidente Lula era o “proprietário de fato” do apartamento.
Mas ainda faltava ligar o caso à Petrobras (a tarefa não era assim tão simples, porque a própria denúncia do Ministério Público do Estado de São Paulo — aquela mesmo que citava Marx e “Hegel” — refutava essa tese)…
5. PROVA TESTEMUNHAL: aí entra a palavra dos projetos de delatores Léo Pinheiro e um ex-diretor da OAS para “comprovar” que o apartamento e a reforma seriam fruto de negociatas envolvendo a Petrobras.
Não há nenhuma prova documental para comprovar essas alegações, apenas as declarações extorquidas mediante constante negociação de acordo de delação premiada (veremos adiante que foi um “acordo informal”).
6. CORRUPÇÃO
Eis o tipo penal de corrupção:
Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.
Portanto, deve-se comprovar basicamente:
– solicitação, aceitação da promessa ou efetivo recebimento de VANTAGEM indevida; e
– CONTRAPARTIDA do funcionário público.
No caso, o ex-presidente foi condenado “pelo recebimento de vantagem indevida do Grupo OAS em decorrência do contrato do Consórcio CONEST/RNEST com a Petrobrás”.
O pressuposto mínimo para essa condenação seria a comprovação:
– do recebimento da vantagem (a tal “propriedade de fato” do apartamento); e
– da contrapartida sobre o contrato do Consórcio CONEST/RNEST com a Petrobrás.
Correto ?
Não.
Como não houve qualquer prova sobre a contrapartida (salvo declarações extorquidas de delatores), o juiz se saiu com essa pérola:
“Basta para a configuração que os pagamentos sejam realizadas em razão do cargo ainda que em troca de atos de ofício indeterminados, a serem praticados assim que as oportunidades apareçam.”
E prossegue, praticamente reconhecendo o equívoco da sua tese: “Na jurisprudência brasileira, a questão é ainda objeto de debates, mas os julgados mais recentes inclinam-se no sentido de que a configuração do crime de corrupção não depende da prática do ato de ofício e que não há necessidade de uma determinação precisa dele”.
Ou seja, como não dá pra saber em troca de que a OAS teria lhe concedido a “propriedade de fato” do triplex, a gente diz que foi em troca do cargo pra que as vantagens fossem cobradas “assim que as oportunidades apareçam” e está tudo certo pra condenação!
Para coroar, as pérola máxima da sentença sobre o crime de corrupção:
– “Foi, portanto, um crime de corrupção complexo e que envolveu a prática de diversos atos em momentos temporais distintos de outubro de 2009 a junho de 2014, aproximadamente”.
Haja triplex pra tanta vantagem…
– “Não importa que o acerto de corrupção tenha se ultimado
somente em 2014, quando Luiz Inácio Lula da Silva já não exercia o mandato presidencial, uma vez que as vantagens lhe foram pagas em decorrência de atos do período em que era Presidente da República”.
Haja crédito pra receber as vantagens até 4 anos depois do fim do mandato…
7. LAVAGEM DE DINHEIRO
A condenação por corrupção se baseia em provas inexistentes, mas a pior parte da sentença é a condenação pelo crime de lavagem de dinheiro.
Hipótese condenatória: lavagem de dinheiro “envolvendo a ocultação e dissimulação da titularidade do apartamento 164-A, triplex, e do beneficiário das reformas realizadas”.
Ou seja, o ex-presidente Lula teria recebido uma grana da OAS na forma de um apartamento reformado e, como não estava no nome dele, então isso seria lavagem pela “dissimulação e ocultação” de patrimônio.
Isso é juridicamente ridículo.
Lavagem é dar aparência de licitude a um capital ilícito com objetivo de reintroduzir um dinheiro sujo no mercado. Isso é “esquentar o dinheiro”. Exemplo clássico: o cara monta um posto de gasolina ou pizzaria e nem se preocupa com lucro, só joga dinheiro sujo ali e esquenta a grana como se fosse lucro do negócio.
Então não faz o menor sentido falar em lavagem nesses casos de suposta “ocultação” da grana. Do contrário, o exaurimento de qualquer crime que envolva dinheiro seria lavagem, percebem?
Não só corrupção, mas sonegação, roubo a banco, receptação, furto… Nenhum crime patrimonial escaparia da lavagem segundo esse raciocínio, porque obviamente ninguém bota essa grana no banco!
8. DELAÇÃO INFORMAL (OU SEJA, ILEGAL) DE LÉO PINHEIRO
Nesse mesmo processo, Léo Pinheiro foi condenado a 10 anos e 8 meses (só nesse processo, pois há outras condenações que levariam sua pena a mais de 30 anos).
Mas de TODAS AS PENAS a que Léo Pinheiro foi condenado (mais de 30 anos) ele deve cumprir apenas dois anos de cadeia (já descontado o período de prisão preventiva) porque “colaborou informalmente” (ou seja, falou o que queriam ouvir) mesmo SEM TER FEITO DELAÇÃO PREMIADA OFICIALMENTE.
Ou seja, em um INÉDITO acordo de “delação premiada informal”, ganhou o benefício de não reparar o dano e ficar em regime fechado somente dois anos (independentemente das demais condenações).
Detalhes da sentença:
“O problema maior em reconhecer a colaboração é a FALTA DE ACORDO de colaboração com o MPF. A celebração de um acordo de colaboração envolve um aspecto discricionário que compete ao MPF, pois não serve à persecução realizar acordos com todos os envolvidos no crime, o que seria sinônimo de impunidade.” –> delação informal
“Ainda que tardia e SEM O ACORDO DE COLABORAÇÃO, é forçoso reconhecer que o condenado José Adelmário Pinheiro Filho contribuiu, nesta ação penal, para o esclarecimento da verdade, prestando depoimento e fornecendo documentos” –> benefícios informais
“é o caso de não impor ao condenado, como condição para progressão de regime, a completa reparação dos danos decorrentes do crime, e admitir a progressão de regime de cumprimento de pena depois do cumprimento de dois anos e seis meses de reclusão no regime fechado, isso independentemente do total de pena somada, o que exigiria mais tempo de cumprimento de pena” –> vai cumprir apenas dois anos
“O período de pena cumprido em prisão cautelar deverá ser
considerado para detração” –> desses dois anos vai subtrair o tempo de prisão preventiva
“O benefício deverá ser estendido, pelo Juízo de Execução, às penas unificadas nos demais processos julgados por este Juízo” –> ou seja, de todas as penas (mais de 30 anos) ele irá cumprir apenas dois anos em regime fechado…
9. TRAUMAS E PRUDÊNCIA
Cereja do bolo: o juiz diz que “até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, mas “considerando que a prisão cautelar de um ex-Presidente da República não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação”.
É a prova (agora sim, uma prova !) de que não se julga mais de acordo com a lei, mas pensando nos traumas e na (im)prudência…
Independentemente da sua simpatia ideológico-partidária, pense bem antes de aplaudir condenações dessa natureza.
Eis o processo penal de exceção: tem a forma de processo judicial, mas o conteúdo é de uma indisfarçável perseguição ao inimigo!
Muito cuidado para que não se cumpra na pele a profecia de Bertolt Brecht e apenas se dê conta quando estiverem lhe levando, mas já seja tarde e como não se importou com ninguém…
Matéria do jornalista Rodrigo Martins.
Celebrada por uma parcela da sociedade, a condenação de Lula a nove anos e meio de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro coloca em risco direitos fundamentais ao adotar “medidas de exceção” e desconsiderar provas trazidas pela defesa, avalia o jurista Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP e Colunista de CartaCapital. “Caso a decisão se confirme, Lula sofre prejuízo, mas a sociedade como um todo também”
Ele classifica como “absurda” e sem fundamento a condenação do ex-presidente por lavagem de dinheiro. “Afirmar que o tríplex é de Lula é algo frágil, pois ele jamais teve a posse do apartamento”. A defesa, diz o jurista, apresentou provas de que o imóvel é da OAS, mas os documentos “foram desconsiderados”. “Há uma série de evidências de que Sergio Moro permitiu a defesa apenas como um mero simulacro, uma maquiagem”.
CartaCapital: O que mais chamou a sua atenção na sentença de Lula?
Pedro Serrano: Eu creio que a condenação do Lula foi obtida pelo que o advogado criminal Fernando Hideo chama de “processo penal de exceção”, ou seja, que traz a aparência de processo, mas não o é de fato.
CC: Por quê?
PS: Porque os argumentos e as provas trazidas pela defesa e os depoimentos em favor do réu não foram considerados com o peso devido em momento algum. Um segundo aspecto importante é a forte suspeita da parcialidade do juiz Sérgio Moro. Quando há essa suspeita, forte como é neste caso, é inconveniente que esse juiz julgue a causa. A condenação por lavagem de dinheiro é algo absurdo, é totalmente desprovida de qualquer fundamento.
Há uma série de evidências de que Moro permitiu a defesa como um mero simulacro, uma maquiagem. Isso não é a primeira vez que acontece na história humana nem no Brasil. Esse tipo de situação é um mero peão no tabuleiro da construção de medidas de exceção no País. Desde a década de 1990, forma-se uma supressão cada vez maior das liberdades públicas e dos direitos fundamentais da liberdade, os chamados direitos negativos.
CC: O senhor afirmou que a condenação por crime de lavagem de dinheiro é absurda. Por quê?
Não houve prova de ocultação de patrimônio. E considerar lavagem de dinheiro me parece muito forte. E há ainda a questão de não conseguir imputar um ato de oficio específico a Lula para configurar corrupção passiva. Esses dois fenômenos são típicos de medida de exceção, e não de aplicação de direitos no campo penal. São ocasionados também pela produção de normas penais, por vezes com sentido vago, que permitem ou possibilitam interpretações extensivas, o que atenta aos valores mínimos de uma democracia.
É uma prática judicial, não restrita a Lava Jato ou ao Brasil, se utilizar do mecanismo interpretativo do direito penal de forma absolutamente estranha à civilidade e à democracia. É procurar alargar tipos penais, entendê-los de uma forma cada vez mais ampla, ampliando o número de casos a que o tipo de se aplica. Isso subverte o princípio de qualquer democracia sem lei anterior que o preveja. As leis são interpretadas de forma extensiva quando deveriam ser interpretadas de modo restrititivo, e com isso condutas que o cidadão acredita serem legítimas, ou não enquadráveis naquele crime, passam a ser enquadradas.
Essa nova interpretação da lei surge depois de o indivíduo ter feito a conduta. Ele não teria condição de fazer a conduta se soubesse que ela poderia ser enquadrada em uma lei criminal. São teorias jurídicas da exceção, que não procuram descrever ou determinar aquilo que é previsto pela Constituição, mas com o objetivo de alterar a Constituição. Esvaziam os direitos fundamentais. São teorias autoritárias e normativas, não são descritivas, científicas ou técnicas.
Com interpretações muito subjetivas e idealistas, acaba-se aplicando o que se deseja politicamente. Isso se espalhou no judiciário e considero o principal problema da Justiça brasileira hoje. Interpreta-se a lei como se quer. E não pode ser assim. Nem uma fábula pode ser interpretada como se quer. Há um elemento comum que reside em qualquer texto.
Quando esse tipo de visão se estabelece, o pobre é quem mais sofre. Nunca vi pobre fazer delação.
CC: E como o senhor avalia a tese de Moro de que não é necessário um ato de ofício específico para imputar a Lula o crime de corrupção passiva? Atos de ofício são necessários?
PS: Sim, ou ao menos uma promessa de um ato. Mas não pode ser qualquer promessa, tem de ser uma promessa concreta de um benefício específico, é o que diz a lei. Não pode haver essa situação genérica, o sujeito é presidente da República e então beneficiou o corruptor por estar no poder. No caso da decisão do ex-presidente Fernando Collor, o Judiciário reconheceu que ele recebeu benefícios ilícitos na reforma da Casa da Dinda, e na doação do automóvel, mas não havia a indicação de qual promessa ou ato específico ele teria praticado. Portanto, não se consumou o crime de corrupção.
Acreditar que há um crime de corrupção genérico, interpretado com ilações e abstrações, é incivilizado. O processo penal precisa lidar com os fatos, com provas, e não suposições. Temos uma condenação por suposição. Se supõe que Lula era o comandante de uma organização, mas não há provas de que ele deu uma ordem específica ilegal, não há nenhuma demonstração disso. Não há um ato de corrupção que demonstra sua participação dele na cadeia de comando daquele ato específico. Não há demonstração de que prometeu um ato específico para qualquer agente.
CC: As provas no processo são frágeis?
PS: O que mais chega perto de provas são as delações, e delações não são instrumento de prova. Afirmar que o tríplex é de Lula é algo frágil, pois ele jamais teve a posse do apartamento, mas um plano de aquisição do qual desistiu. Mais do que isso: a defesa apresenta provas de que o imóvel é da OAS. Ela incorpora como o imóvel como bem dela para efeito de recuperação judicial. Existem atos de garantia de crédito, há documentos que não foram levados em consideração. Por isso digo que a defesa foi uma mera maquiagem. Não houve uma resposta adequada na sentença em relação às provas da defesa. Elas deveriam ter sido consideradas até para medir se Lula era de fato o dono. Se não é dono, então ele não recebeu coisa alguma.
Não houve ainda nenhuma demonstração de ato específico ou de conduta de promessa de ato específico. Não houve ainda a demonstração da participação de Lula em qualquer cadeia de comando que levasse à produção de ato específico. Esses enquadramentos que eles tentam aplicar são muito abstratos. Ele não foi condenado por organização criminosa. Se ele não foi condenado por isso, ele não pode ser tido como participante de uma. Mesmo que ele fosse considerado participante de uma organização criminosa, era preciso provar a participação dele em algum ato que beneficiasse os corruptores. Isso não foi provado em momento algum. Não está se aplicando leis penais, mas criando novas normas penais soberanas. Logo, não é um juízo que tem aplicado o direito, mas sim que aplicou a exceção.
CC: Quais os impactos dessa decisão para o sistema judiciário?
Creio que há diversos problemas jurídicos processuais e penais que atingem a Constituição e os direitos fundamentais. Caso a decisão se confirme, Lula sofre prejuízo, mas a sociedade como um todo também. Há uma ilusão de que, com a prisão dos ricos, agora há igualdade com os pobres. Não é isso que pretende uma Constituição democrática. O objetivo dela é universalizar os direitos, e não universalizar a injustiça do pobre. Quando esse tipo de visão se estabelece na sociedade, o pobre é quem mais sofre. Enquanto o rico faz uma delação e sai da cadeia, o pobre é morto na cadeia. Nunca vi pobre fazer delação.
O Brasil é o quarto país do mundo que mais aprisiona e o que mais cresce em número de aprisionados, com foco numa população jovem e da periferia. É o país onde a polícia mais mata e morre no mundo. Isso tudo é um conjunto de medidas de exceção produzidas pelo sistema de Justiça e gerenciados por ela.
Muito em função dessa jurisprudência e desta forma punitivista de se ver o direito penal, uma forma inconstitucional tem sido utilizada em diversos casos para punir réus sem observar os seus direitos. Se juntarmos isso com as reformas trabalhista e previdenciária, que suprimem direitos sociais fundamentais, há um verdadeiro esvaziamento da Constituição de 1988.
Usando uma expressão do teórico do garantismo Luigi Ferrajoli, eu creio que há um poder desconstituinte no Brasil, em que as autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário responsáveis por cumprir a Constituição a esvaziam de sentido, a desobedecem. Isso não é uma mera disfunção ocasional. É natural que Estados Democráticos de Direito não funcionem perfeitamente na realidade, disfunções são comuns. Mas o que estamos vendo não é uma disfunção casual, mas uma patologia na nossa democracia e até nas do mundo, que estão atravessando um momento de grave crise.
Produção Afinsophia.
Marina, como outros que não atingiram a humaniora a dimensão da empatia íntima como grau de humanidade, como afirma o filósofo Kant, comemorou o ato do juiz sujeito da subjetividade-dominante. Postou a desprezível realidade que a domina: o ressentimento que não consegue superar. Para ela Lula é culpado de sua desprezível realidade.
Como o ressentimento é uma afeto triste, e na tristeza não há inteligência, como afirma o filósofo Spinoza, Marina não percebe que Lula já o eleito de 2018.
Marina é só tristeza negadora da alegria de Cristo que ela afirma que cultua como evangélica. Coisa de Marina.
Hoje, os Senadores da República, nominalmente, se posicionarão contra ou a favor da “reforma” trabalhista, o que, considerando as personalidades e as entidades que já se manifestaram publicamente a respeito, representa assumir um lado.
Os que defendem a reforma dizem que estão a favor da criação de empregos e da modernização das relações de trabalho, mas só diz isso quem não leu o texto da reforma. A reforma não moderniza nem cria empregos, muito pelo contrário. Ao ampliar as possibilidades de ajustes individuais entre empregados e empregadores a reforma retoma a lei de locação de serviços, que vigorou no Brasil a partir 1830 e que foi mundialmente superada desde o compromisso assumido no pós-guerra, no Tratado de Versalhes, em 1919.
Ao criar o trabalho intermitente, possibilitar a terceirização na atividade-fim das empresas e possibilitar a permitir a redução de direitos via negociação coletiva, notadamente no que se refere à ampliação da jornada de trabalho, a “reforma” impulsiona a transposição de empregos efetivos para empregos precários, com menor remuneração (e prejuízo para o consumo) e maior vulnerabilidade dos trabalhadores, sobretudo em ambiente de desemprego estrutural. Com isso, será potencializado as más condições de trabalho que induzem ao assédio moral, às doenças e aos acidentes de trabalho, que geram, além disso, enormes custos previdenciários, o que se agrava com a completa despreocupação com a proteção da saúde do trabalhador no ambiente de trabalho, reduzindo-se, ainda, sensivelmente, as possibilidades de reparação por danos pessoais experimentados pelos trabalhadores nas relações de trabalho precarizadas.
A reforma trabalhista provoca, também, em paralelo, uma autêntica reforma previdenciária no sentido da privatização da Previdência Pública, ainda mais se considerarmos os dispositivos que excluem a natureza salarial de diversas formas de remuneração do trabalho, o que diminui consideravelmente as fontes de custeio da Previdência.
Além disso, a prática de horas extras (com o gravame de sequer serem devidamente remuneradas, dadas as várias modalidades de compensação que se tentam legitimar) impede a inserção de novos trabalhadores no mercado de trabalho.
Alie-se a tudo isso o incentivo que se dá aos empregadores para efetuarem dispensas coletivas sem motivo justificado e sem qualquer negociação com os sindicatos, esquecendo-se de que a Constituição Federal garante aos trabalhadores o direito à relação de emprego protegida contra a dispensa arbitrária (art. 7º, inciso I). Há também o nítido desprezo ao efetivo exercício do direito de greve, conforme consagrado no art. 9º da CF, e se terá, pela reforma contida no PLC 38/17, a fórmula plena em favor do grande capital para aumentar o seu poder e, com a consequente disseminação de uma exploração do trabalho sem limite jurídico e minimamente ético, moral e humanístico, potencializado a margem do lucro.
A reforma ainda toma o “cuidado” de tentar impedir o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho para questionar a regulação da reforma e pleitear direitos constitucionalmente assegurados, ameaçando-o com altos custos processuais, incentivando a arbitragem privada e criando a fórmula da quitação anual de direitos trabalhistas com o vínculo de emprego ainda em vigor.
Plenário do senado. Senadoras assumem a presidência da mesa e não deixam o presidente assumir o a sessão da reforma trabalhista. Eunício Oliveira mandou apagar as luzes do plenário. Foto: Lula Marques/AGPT
São mais de 200 dispositivos normativos, todos eles em favor do grande capital, e só diz que a reforma é benéfica aos trabalhadores ou que não retira direitos dos trabalhadores quem não leu o texto da reforma, ou possui algum interesse pessoal ou econômico para que a reforma seja aprovada. São dispositivos que, no conjunto, agridem diretamente os princípios do não-retrocesso e da ampliação progressiva das condições sociais dos trabalhistas, consagrados constitucionalmente.
Trata-se, pois, de uma reforma que representa uma afronta à Constituição Federal e aos diversos compromissos internacionais assumidos com relação à efetivação de uma política assecuratória dos Direitos Humanos.
Enfim, não colam as retóricas da modernidade e da preocupação com os milhões de desempregados para justificar uma posição em favor da reforma, que é, sim, uma clara e insofismável aderência aos interesses do grande capital no sentido de aumentar o seu poder e suas margens de lucro, fragilizando a classe trabalhadora por meio da redução das possibilidades de sua atuação coletiva, da eliminação da incidência dos princípios de ordem pública do Direito do Trabalho nas relações de trabalho e da diminuição do campo de atuação da jurisprudência trabalhista.
Os Senadores, portanto, retóricas à parte, assumirão o seu lado, como já o fizeram os prepostos do governo federal, a maior parte os deputados, a grande mídia e, claro, os representantes do grande capital, além de vários economistas e alguns juristas e magistrados trabalhistas.
Neste assunto, como em qualquer outro, o mínimo exigível é que as posições sejam postas às claras, sem retóricas e falácias, inclusive para que os personagens possam ser devida e historicamente julgados, ainda que não seja este o juízo final!
Jorge Luiz Souto Maior é Juiz do Trabalho e Professor de Direito do Trabalho na Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP).
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