Aline Piva, no Nocaute.
A oposição venezuelana acaba de anunciar um “plano de governo de transição”. No documento, assinado pelos partidos que compõem a MUD, eles afirmam que o mandato para compor esse autoproclamado “governo de união nacional” foi outorgado pelo povo venezuelano no plebiscito do último domingo. Afirmam, ainda, que irão nomear novos magistrados para o TSJ (Tribunal Supremo de Justiça), o que aliás fizeram hoje, e colocar em curso um “plano humanitário de emergência” e um “plano de ataque à insegurança e à violência”. Frente a um crescente descontentamento (85% dos venezuelanos se dizem contrários aos protestos violentos e uma parcela importante da população diz que a oposição não tem um projeto econômico para o país), a oposição segue com a estratégia do tudo ou nada, e em um repeteco tragicômico do golpe de 2002, tentam mais uma vez instalar um governo paralelo no país.
Antes de entrar nesse tema, vale fazer um pequeno parêntese sobre o plebiscito. Para além de sua ilegalidade – o plebiscito é uma figura que não está prevista na Constituição venezuelana e foi organizado às margens de qualquer institucionalidade –, os números também deixaram a desejar. Segundo as cifras apresentadas pela oposição, mais de sete milhões de venezuelanos votaram no plebiscito. Isso representa pouco mais de 35% do total do eleitorado do país, e um decréscimo de quase 50 mil votos na totalidade de seu eleitorado. Ou seja, se a nível de discurso eles se dizem os porta-vozes da maioria absoluta dos venezuelanos, na prática conseguiram que ainda menos pessoas se mobilizassem no último domingo em respaldo ao seu chamado – isso se acreditarmos, para o bem do debate, nos números apresentados pela oposição, já que os cadernos de voto foram queimados logo após o plebiscito, impossibilitando qualquer auditoria independente dessas cifras.
Se internamente a oposição parece perder fôlego, externamente a correlação de forças parece lhes favorecer. Não só o golpe no Brasil abriu espaço para o avanço dos interesses neoliberais, como também a nova administração aqui dos Estados Unidos parece mais do que nunca disposta a elevar o nível de enfrentamento. Só para citar alguns exemplos, nas últimas duas semanas vimos o Departamento de Estado organizar um evento a portas-fechadas com representantes de embaixadas aqui em Washington para exigir que seus governos se posicionassem contrários à Constituinte. Seguindo a linha de Marco Rubio, Trump e o Departamento de Estado soltaram notas ameaçando o governo venezuelano com sanções, caso a Constituinte seja levada a cabo. E na última quarta-feira, o grupo de congressistas anti-castrista admitiu estar trabalhando ativamente para que os Estados Unidos desconheçam o governo democraticamente eleito de Nicolás Maduro como interlocutor legítimo e passem a falar diretamente com os representantes da Assembleia Nacional. Isso sem mencionar o projeto de lei proposto por Rubio e pelo democrata Ben Cardin, que prevê o envio de mais de 10 milhões de dólares em suposta “ajuda humanitária” para a Venezuela – recurso que será administrado pela USAID.
Apesar de todo o escancarado apoio internacional, a oposição segue sem conseguir garantir dois fatores essenciais para consumar o golpe a que a se propôs: o apoio das Forças Armadas e das classes populares. Tentam mudar esse estado de coisas asfixiando a economia e intensificando os ataques (físicos e morais) a membros da corporação e a quartéis e batalhões. Se esquecem que, na Venezuela, há um povo organizado em defesa de sua soberania.
Leitores Intempestivos