
O homem constrói cidades partindo de sua realidade natural constituída de necessidades. Necessidade de comer, necessidade de beber, necessidade de habitar, necessidade de se proteger e, também, necessidade de ter tranquilidade. É partindo de sua condição natural que o homem procura satisfazer essas necessidades. São satisfações resultantes de suas condições de homo faber e homo sapiens que passam por suas faculdades sensorial e intelectiva.
Partindo de sua própria constituição biológica, sensorial e intelectiva o homem escolhe topos-naturais com condições físicas para projetar e construir cidades. O relevo, a hidrografia, a vegetação, o clima, o solo são atributos naturais que homem seleciona para poder construir cidades que lhe assegurem uma existência gratificante e tranquila. Conhecedor e preservador dessa realidade natural o homem entra em composição com esses atributos naturais e constrói sua ecologia-urbana. Ecologia que como diz o filósofo francês Félix Guatarri constitui-se em três ecologias: Ecologia Mental, Ecologia Social e Ecologia Ambiental. São três, mas em uma só univocidade.
Sem uma Ecologia Mental agenciadora de formas de existências estéticas saudáveis, não pode haver Ecologia Social onde a justiça seja o enunciado primeiro dos direitos gerais dos habitantes de uma urbe. Dessa forma, fica comprometida a Ecologia Ambiental e dos ecos sobram nada mais do que danos urbanos. Ou seja: as faculdades naturais do homem não foram usadas em conformidade com suas necessidades. Pois foi exatamente o que ocorreu com a não-cidade de Manaus. Manaus nasceu fora das potencias das faculdades biológica, sensorial e intelectiva de seus responsáveis historicamente e continua nesse mesmo percurso doloroso.
Nascida em uma planície às margens do Rio Negro, envolta por uma floresta tropical-equatorial, com clima quente-úmido, ela foi devastada nessas últimas 4 décadas por força predadora do capitalismo conjugado com ambições de politicofastros – falsos políticos – que viram, principalmente, na Zona Franca a fonte para obter dividendos para suas voracidades materiais. Seduzidos pelo marketing da Zona Franca como o paraíso do Norte, levas inteiras de famílias e aventureiros a procuraram como lugar para habitarem e enriquecerem, nesse caso, os últimos. Iniciaram o desmatamento das áreas primitivas como também áreas já tidas como urbanizadas. Essas para grandes empresas, e logicamente com a aquiescência dos governos reacionários. É comum encontrar em Manaus empresas instaladas onde antes era vegetação natural. Como é comum, também, encontrar áreas de moradias populares em total desmatamento resultadas das tramas demagógicas de governantes capitalizadores de votos. É, claro, cumpliciados por seus aliados legislativos. Acresça-se a essa realidade a ausência de sistema de saneamento básico e esgotos.
Então, com esse quadro, não dá outra: chuva, vento e raios, como os de ontem, dia 30 – despedida do mês de setembro -, a natureza confirma porque Manaus é uma não-cidade. Árvores caídas, muros, telhados voando, barrancos, outdoors comercial e oficial destroçados, ruas alagadas, imobilidade do trânsito, desespero das camadas mais humilhadas defendendo seus objetos domésticos, tudo isso retrata o que é Manaus, que as chamadas autoridades tentam esconder, através de marketing, mas a natureza revela. Deixa expressa sem possibilidade de dissimulação.
Foi uma expressão natural democrática, se é que se pode assim conceituar. Não foram somente os pobres que sofreram. Os ricos também. Dois símbolos sedutores do capitalismo consumistas foram grandemente avariados: o Shopping Manauara, o considerado mais moderno e mais rico em ofertas, foi atingido até em sua praça da alimentação que virou uma piscina; e o outro o Supermercado Carrefour que teve parte do teto avariada. Ou melhor: destelhado.
Essa foi só mais uma ocorrência natural. Outras virão, porque a natureza, diferente da maioria dos homens, é um devir caosmótico, no sentido de criação. Como substância causa de si mesma, está sempre em ação poiética em seus atributos movimento, repouso, velocidade, lentidão, longitude e latitude. Não há como lhe controlar e prender como alguns homens fazem com outros. Assim, como se sabe que as personagens administrativas não possuem dimensão-política, o que faz com que não tenham autoridade-urbana, a população deverá se preparar para novos sofrimentos. Manaus continuará não-cidade.
Leitores Intempestivos