Manifesto da Associação Filosofia Itinerante – AFIN®*
Beijo lésbico no Beijaço realizado em Manaus, apesar da homofobia do Governo do Estado.
“Pelo visto a cobertura que o blog Afinsophia fez indo à praça São Sebastião, fotografando o beijaço, constatando que certos logradouros em Manaus não são públicos, repercutiu tanto que teve vereador dando piripaco. Amauri Colares, depois de ter visto as fotografias, disse que os homossexuais são umas aberrações, deturpados e pecaminosos. Nosso vereador precisa rever suas posições retrógradas e ultrapassadas. Isso é manifestação de uma pessoa super preconceituosa que não sabe diferir o que é livre manifestação do pensamento e através deste ofender pessoas que numa democracia fazem as mais variadas escolhas. A religião que o vereador segue contribui para isso. É uma religião cujo Deus é castrador, ameaçador, que mete medo. Essas religiões se seguram nisso. É diferente daquilo que Jesus Cristo saiu falando por aí. Jesus pregou a solidariedade, a cooperação o trabalho que contribuía para o bem da coletividade. Por isso os judeus foram contra ele, pois estava sendo questionada uma estrutura milenar da cultura hebraica. Jesus não fazia distinção, ele era de todos e de todas, que fale Maria Madalena e as outras Marias. Jesus beijava e naquela época já havia beijaços. As sociedades atuais são tão pervertidas que conseguiram associar o beijo de Judas a Jesus como traição. E conforme li neste blog (milionário-centenário), Judas o beijou porque o amava. Jesus era conhecido de todos e não era preciso um beijo para dizer – este é o homem. Os homens sempre se beijaram em várias culturas, mas o preconceito acompanha os preconceituosos. Valeu pela cobertura, valeu pelo frisson que a matéria de vocês causou na sociedade. São esses trabalhos que vão cortando as amarras que infelizmente na sociedade é difícil de construirmos. Mas que os gays também devem dar a sua contribuição isso devem.” (comentário do leitor intempestivo Paulo Maranguty)
DESENTENDIMENTO E HOMOFOBIA DECLARADA
Numa sociedade dita democrática, as leis são criadas para estabelecer a igualdade de direitos, “sem distinção de qualquer natureza”, como diz no início do Art. 5º da Constituição. Mas parece que, ao menos em Manaus, os vereadores não começaram a fazer um estudo sequer do início da Constituição. Assim é que de vez em quando se veem na Câmara Municipal de Manaus (CMM) opiniões sendo proferidas ou mesmo decisões sendo tomadas segundo convicções pessoais que nada tem a ver com as leis democraticamente estabelecidas.
Os casos mais comuns nos quais se veem tais aberrações na CMM, não apenas nessa legislatura, são as posições e decisões tomadas consoante o ponto de vista religioso-cristão-paulino, como no caso da negação do Certificado Utilidade Pública para a Associação de Prostitutas e Ex-prostitutas do Amazonas (As Amazonas) em março de 2009 e quando em setembro do mesmo ano o edil-pastor Marcel Alexandre (PMDB) comparou homossexuais a pedófilos e traficantes, dizendo: “Essa questão [da homofobia] é de minoria. Se formos defender os homossexuais, teremos que defender os pedófilos, os traficantes?”
Esta semana, enquanto aconteciam em todo o Brasil as manifestações em torno do Dia Internacional de Combate à Homofobia, na terça (18) e quarta-feira (19), dois dias seguidos, o vereador de Manaus, Amauri Colares, do Partido Social Cristão (PSC), deu declarações desveladamente homofóbicas contrárias aos direitos dos homossexuais e de ataque às lutas LGBTs.
Na segunda-feira, o vereador disparou em plena tribuna da CMM:
“Nós não podemos permitir isso [a homossexualidade] porque a família é a célula mater da sociedade e nós temos que defender sim a família, o casamento e as nossas crianças.”
“Eu acho que não pode ser exposto [o homoerotismo] até porque a maioria do povo brasileiro é cristão, entre católicos e outras religiões.”
“Eu acho que não temos que ser homofóbicos com ninguém: com criança, com negro, com pessoas idosas, com pessoas de outras religiões, com ninguém. Mas temos que respeitar a maioria que é um povo cristão.”
Além de demonstrar em sua fala que não sabe o significado do que venha a ser “homofobia”, tal qual Marcel Alexandre, o vereador Amauri Colares não sabe que uma sociedade só é verdadeiramente democrática quando suas leis podem ser debatidas e modificadas, não em proveito particular de pessoa ou grupo em detrimento de outrem, mas para “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Constituição, Art. 3º, IV). Não sabe, portanto, que conceitos como “família”, “casamento” e até “criança” são criações culturais de acordo com o modelo de sociedade estabelecido e que este não é imutável como gostaria o poder dominante.
Devido a matérias em jornais da cidade e o posicionamento de entidades LGBTs, dizendo-se estar ali para “repor a verdade”, porque, segundo ele, um repórter de um jornal havia colocado que ele marginalizava os homossexuais, Amauri voltou à tribuna para reiterar, piorando suas horripilantes declarações. Depois de dizer que respeitava aos homossexuais, citando os que conhecia na própria CMM, o vereador disparou, chamando os homossexuais de “aberrações”:
“Agora, não posso aceitar de maneira nenhuma uma colocação como esta. Agora, fica claro senhores vereadores se toda prática deturpada, pecaminosa e imoral for legalizada onde vai parar nossa sociedade? Se a sociedade legalizar suas aberrações ela se destruirá (grifos nossos). Um erro moral nunca pode ser um direito civil.
Agora, como em todos os momentos, o vereador confunde moral dogmática cristã-paulina com direito civil. Além de não saber o que seja homofobia, desconhece o vereador que o Brasil é um país laico? Aliás, seu confrade Marcel Alexandre já afirmou com todas as letras do preconceito anteriormente que o Brasil não é um país laico simplesmente porque a maioria é cristã. Sim, em que artigo da Constituição se afirma, então, uma religião oficial do Estado brasileiro? Mesmo que a maioria das pessoas, individualmente, seja cristã, a Constituição respalda o direito à diferença a todo e qualquer cidadão desde que não se esteja em ofensa ao direito de outrem. Portanto, de nenhuma forma uma moral religiosa, seja qual for, pode ditar ao ouvido sobretudo de homens públicos opiniões ou decisões do ponto de vista legal contra uma classe, um grupo ou mesmo uma pessoa. É ilegal.
A INTROJEÇÃO DO MISTICISMO NA POLÍTICA
A introjeção dos dogmas religiosos, sobretudo cristãos-paulinos, vem de longa data na política amazonense, uma vez que se sabe que o próprio ex-governador Eduardo Braga já dispensou para a fundação Boas Novas, pertencente à igreja Assembleia de Deus, soma considerável de dinheiro público, quando a própria Constituição estabelece em seu Art. 19 que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
Que interesse público há numa biblioteca que nem existe? Mas seguindo essa linha, tanto a CMM quanto a Assembleia Legislativa (Ale-AM) tem alguns membros eleitos diretamente pela ligação eleitoreira de canais de televisão ligados a igrejas tal qual o caso dos programas miserabilistas (a família Câmara, por exemplo). Os mesmos que arremetem com seus dogmas onde deveriam existir as palavras e a persuasão, do ponto de vista racional, como diz a filósofa judia-alemã Hannah Arendt sobre a política.
Tal qual prega a Constituição: “Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei” (Art. 5º, VIII).
Como essa introjeção mística de Amauri Colares desvia a opinião, o livre-arbítrio, arremetendo, em seu fundamentalismo ao taxar os homossexuais de “aberrações”, para o preconceito – configurando o que se estabelece como “crime contra a honra” – não caberia um pedido de abertura de processo por decoro parlamentar?
CONIVÊNCIA HOMOFÓBICA DOS DEMAIS
Em vez disso, na CMM nenhum dos vereadores sequer interveio ou fez um pronunciamento tomando uma posição democratizante em relação ao discurso fascista de Amauri Colares.
Algum dos edis talvez possa argumentar que não tenha vindo a se posicionar devido ao grau de estupidez do discurso. Pior. A política é da ordem da coletividade e nenhuma estupidificação individual deve sobrepujar o interesse coletivo da Casa do Povo. Ou não? Assim, não apenas um vereador deu vazão a sua estupidez, mas a instituição. A homofobia não foi, então, apenas de um edil, mas de toda a CMM.
Claro que isso ocorre porque não há dentro da CMM um só vereador que se interesse de forma contundente a favor da luta pela cidadania de minorias que toque em questões de falsa-moral cristã-burguesa, como no caso das prostitutas e dos homossexuais. Em setembro do ano passado, vimos as dificuldades que o vereador José Ricardo (PT) enfrentou com a bancada disangélica para marcar uma tribuna popular sobre prevenção e combate à homofobia, que acabou esvaziada e revelando o desentendimento pelos vereadores (o mesmo que revelou Amauri Colares) do que venha a ser homofobia.
Segundo a presidente da Associação Amazonense de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais (AAGLT), Bruna La Close, 12 entidades entraram ontem com pedido de uma nova tribuna popular sobre combate à homofobia e um posicionamento formal da casa sobre as declarações de Amauri Colares. Ao contrário das ações do poder público, que devem ocorrer de um centro propulsor para a periferia, se esse evento for definido, deve servir principalmente para preparar ações contra a homofobia dentro dos próprios órgãos públicos, que deveriam, por dever constitucional, combatê-la fora dele.
Como observou o companheiro Rosinaldo, da Associação Garotos da Noite – AGN, numa conversa na Pça São Sebastião na segunda-feira passada, muitos desses vereadores e deputados podem até se aproximar, mas não votariam uma medida a favor dos homossexuais. É muito bom do ponto de vista eleitoreiro aparecer sobre o trio elétrico para dezenas de milhares numa parada gay, mas os edis-madrinhas em nada se movimentarão contra a homofobia declarada dos edis-pastores, mesmo porque não tem uma percepção cognitiva clara do que venha a ser o movimento LGBT, o qual, em Manaus, está em tempo de aprender a escolher seus parceiros, assim como perceber o real sentido, extensão e força de sua luta.
O MOVIMENTO LGBT COMO POTÊNCIA DEMOCRÁTICA
Acrescentamos ao companheiro Maranguty que na mídia decadente-retrô manauara houve os que não compareceram e houve, entre jornal e televisão, quem até compareceu, mas não publicou a matéria sobre o Beijaço. Em ambos os casos, isso ocorre porque nestes meios sequelados também há censura, intervenção, preconceito. No caso deste bloguinho intempestivo, vetor virtualizante da AFIN, como serviço público gratuito, participando numa linha de atuação afetiva-afetante, movimenta-se sempre uma proximidade a partir de encontros alegres que aumentem a potência de agir em suavidade, humor, ternura e inteligência, que são os princípios desta associação e que fazem parte de seu entendimento do que venha a ser o Mundo Gay e suas lutas. Isso tudo sem qualquer pequena concessão bloqueadora dos bons afetos e cerceadora da liberdade, pois como diz Nietzsche:
“A vontade incondicional do cristianismo de deixar valer somente valores morais se me afigurou sempre como a mais perigosa e sinistra de todas as formas possíveis de uma “vontade de declínio”, pelo menos um sinal da mais profunda doença, cansaço, desânimo, exaustão, empobrecimento da vida…”
*Ao mesmo tempo que vai sendo publicado, esse manifesto vai sendo enviado a diversos órgãos de direitos humanos e entidades ligadas às lutas LGBTs, bem como a todos os vereadores de Manaus.
Leitores Intempestivos