“A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento”
Milan Kundera
Tempo da Ação: Presente, passado e futuro.
Local da Ação: Sala da Comissão Nacional da Verdade, em São Paulo.
Personagens: Pedro Dallari, Coordenador da Comissão da Verdade.
José Carlos Dias, membro da Comissão da Verdade.
Torturador, ex-delegado da Polícia Civil, Aparecido Laerte Calandra, codinome, Capitão Ubirajara, agente do DOI-CODI.
Darci Miyaki, presa e torturada.
Maria Amélia de Almeida Teles, presa e torturada.
Sérgio Gomes, jornalista, preso e torturado.

Torturador ( Simulando perda de memória, tem diante de si documentos apresentados pelo coordenador da Comissão da Verdade Pedro Dallari contendo depoimentos de presos torturados por ele nas dependência do DOI-CODI, entre os anos de 1972 e 1976. Entre os documentos um traz seu codinome Ubirajara e outro elogia sua atuação como agente da repressão ) – “Atribuo isso um engano pessoal das pessoas que estão fazendo essas acusações.
Nunca participei de nenhuma atividade de tortura e nunca apoiaria isso. Isso era parte da conduta do comando aqueles que se dedicavam especificamente a sua função. E a minha era de assessor jurídico.
Sempre usei meu nome. Nunca torturei ninguém e muito menos violei direitos humanos. Sempre fui contrário disso”.
Sérgio Gomes ( Olhando dentro dos olhos do torturador ) – “É tão estranho a gente se encontrar assim, não ( Torturador desvia o olhar )? É da natureza dos regimes políticos engendrarem a tortura como método. A vingança é a justiça dos bárbaros. E a justiça é a vingança dos civilizados”.

Darci Miyaki ( Olha para o torturador com firmeza e depois fala em direção dos membros da comissão. Reconhece seu torturador e fala sobre o assassinato de seu companheiro, Élcio Pereira ) – “Ele mudou pouco, muito pouco. Está com cabelo mais ralo, branco, mas o visual a estrutura são os mesmos. Esse cidadão era o Ubirajara, um torturador, e partícipe de muitos assassinatos.
A morte dele foi anunciada em um tiroteio no dia 28 de janeiro de 1972, mas, nesse dia, ele estava sendo trazido do Rio para São Paulo comigo. Esse capitão Ubirajara entrou na sala e disse, ‘o Élcio está sendo empalado’. Isso ficou na minha memória.
Já tinha sido torturada por ele. Foram muitos choques elétricos no ouvido, nos dedos dos pés, das mãos, choque na vagina. Muito. Era uma pessoa muito violenta. Não é nem nojento. Era algo muito violento. Não sei descrever o que significa para uma mulher um torturador introduzir o dedo, um fio elétrico na sua parte mais íntima. Isso me marcou muito. Tive muita hemorragia oral e vaginal e fui levada duas ou três vezes para o Hospital das Clínicas. Eu me tornei uma mulher estéril”.

Maria Amélia de Almeida Teles ( Angustiada diz que seus filhos de 4 e 5 anos, foram levados ao DOI-CODI e a viram maltratada pelo agente ) – “Eles queriam saber porque eu estava azul. Quando olhei para meu corpo vi que estava todo roxo (Ela lembra que Ubirajara lhe mostrou um jornal com a manchete da morte de um terrorista em tiroteio ). Era uma versão mentirosa. Danielli foi morto naquela sala. Ele ali se gabando de ser o autor daquela farsa. Ameaçando que eu poderia ter manchete como aquela”.

José Carlos Dias, membro da Comissão Nacional da Verdade (olhando com segurança e determinação para o Capitão Ubirajara ) – “Os vizinhos ouviam os gritos e, ele que trabalhava lá, não ouvia um grito ?”
Torturador (Simulando ) – “Nunca ouvi gritos?”
José Carlos Dias (Indignado ) – “É uma desfaçatez! O senhor é um homem inteligente. A prova disso é que escolheu muito bem seu advogado. Gostaria que o senhor dissesse com toda sinceridade. Durante oito ano trabalho no DOI-CODI. Nunca ouviu referência que lá se torturava?”
Torturador (Esquivando-se ) – “Nunca ouvi referência disso”.
José Carlos Dias (Determinado ) – “Hoje o senhor acredita que havia tortura”?
Torturador ( Olhando de lado ) – “Não acredito porque não ouvi”.
José Carlos Dias – ( Incisivo ) – “E esses testemunhos”?
Torturador ( Tentando se desvencilhar da pergunta ) – “Esses testemunhos, a pessoa fala o que acha que deve falar”.
José Carlos Dias (Relaxando ) – “Mas nós cumprimos nosso dever de perguntar”.

Pedro Dallari, coordenador da Comissão Nacional da Verdade ( Certo de que o Capitão Ubirajara faltou com a verdade e que passou o tempo todo se defendendo para confundir a Comissão Nacional da Verdade ) – “ Temos um conjunto de informações muito robustas que não coincide com seu depoimento. Evidente que seria muito melhor para nós e para o país se o senhor se dispusesse a resgatar os fatos relativos à sua presença por dez anos no DOI-CODI. Por razões que só o senhor pode avaliar o senhor está tomando outra opção, que é respeita porque vivemos em um Estado democrático de direito. Colabore com a comissão, isso fará bem ao país e ao senhor”.
José Carlos Dias ( Completando ) – “E a sua própria consciência”.
Pedro Dallari – “É ruim por um lado, mas as provas que a comissão possui contra ele são muito robustas. Os fatos indicam claramente que o delegado praticou tortura.
Todos os depoimentos que consideramos importantes para elucidação dos fatos, nós colheremos, mas temos um problema de tempo ( Ele diz que os trabalhos da comissão terminam em maio )”.
Fontes consultadas para produção desse vetor-teatral: Agência Brasil e RBA.
Data da publicação informativa: 12/12/13.
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