O filósofo Nietzsche diz que só se deve falar daquilo que se ultrapassou, caso contrário só se tagarela. Ou seja, do que se conhece por experiência e inteligência. O conceito de evangelho nos remete ao entendimento de um discurso que pode ser laico ou religioso. Ser científico ou sagrado.
Para que alguém possa evangelizar se faz necessário que esse alguém examine todos os elementos que constituíram o discurso como corpos semióticos dominados pelos evangelistas, seus criadores. Corpos históricos, políticos, econômicos, sociais, religiosos, artísticos etc. O que necessita um grau de sabedoria além da mediana. Sem esses instrumentos epistemológicos não se pode ter o poder de evangelizar, visto não se ter o conhecimento.
Como diz Nietzsche: não se pode falar porque não se ultrapassou o corpo evangelista. Não se compreendeu. O resto é só superstição produzida por uma mistificação e mitificação dos elementos que constituem o discurso, que foram levados ao plano abstrato do psiquismo de quem se diz evangelizador e confunde com crença. A crença é produto incontestável como realidade que saiu da experiência e da inteligência. Ou pode também ser significada como crença, como afirma o filósofo Clèment Rosset, aquilo que não tem objeto real que possa ser atingido pelo exame crítico. É só um devaneio. Uma fantasmagoria saída de um ente imaginado. Essa a crença dos falsos evangélicos.
Como os evangelistas, autores do discurso evangélico, Marcos, João, Matheus e Lucas apresentam um texto que mostra a necessidade da tolerância, compreensão e amizade para que alguém se torne evangelizado e representante de Cristo, toda intolerância, discriminação e rivalidade que são usadas apara eliminar o outro, não podem ser tidas como evangelização. Trata-se nada mais do que projeções das frustrações desses praticantes em forma de sadismo-dominador. Perseguição aos homossexuais, aos travestis, a imposição de um modelo familiar restrito ao patriarcalismo castrador, etc., não testemunham evangelização. Testemunha o uso calculista e interesseiro da Bíblia em benefício próprio. Como fazem falsos pastores e parlamentares, também, falsos evangelistas.
Pois foi exatamente por esses falsos evangélicos, que escondidos atrás da Bíblia, à menina de 11 anos adepta do Candomblé, moradora do Bairro Vila da Penha, em Irajá, Rio de Janeiro, foi apedrejada. Caso registrado na 38ª Delegacia de Irajá. Diante da violência que constitucionalmente é caracterizado de intolerância religiosa, membros da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) destacaram um advogado para representar a criança.
“Ela estava com um grupo de pessoas e um grupo de evangélicos, que estava do outro lado da rua, começou a demonizá-los e a xingá-los. Não se contentando com isso, jogou uma pedra. Eles estavam arrumados tinham bíblias e acusavam os praticantes de Candomblé de serem demoníacos.
Isso é ruim para a religião. Eu sei que a grande maioria dos evangélicos não é assim e cabe a eles ajudarem a identificar esses agressores. Eram pessoas da igreja, pessoas que estavam com bíblia”, disse Ivanir Santos, babalawo e membro da comissão.
A violência, para Leniete Couto, coordenadora da Coordenadoria Especial de Políticas Raciais de Promoção da Igualdade Racial do Rio de Janeiro, trata-se de ignorância e racismo.
“Há uma distorção histórica de colocara a cultura negra no sentido global, tanto a pessoa física quanto seus costumes sempre em um lugar de não existência ou um lugar negativo.
Não se respeita as religiões de matriz africana porque se diz que são do mal, que são ruins e com isso vem a invisibilidade e a negação da existência dessas pessoas. A invisibilidade cria um desconhecimento da história que faz com que as pessoas sejam rejeitadas e apedrejadas por ignorância e também por racismo”, analisou Leniete Couto.
Em nota a Polícia Civil afirmou que o caso foi registrado como lesão corporal no Artigo 20 da Lei 7716 – praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
O que se constata no Brasil atual é que há uma virulenta propagação da ignorância dos sentidos do que seja evangelista, evangelizador, evangelizar e evangélico. O que significa que o conceito real foi descartado da palavra para que a palavra, em sua forma vazia de conceito, sirva para garantir formas variadas de poder. Como poder de pastor e poder de parlamentar. Uma sórdida trapaça com o sentido livre e feliz da religião.
LEMBRANÇAS DO FILÓSOFO SPINOZA AOS FALSOS EVANGÉLICOS
O filósofo holandês Spinoza (1632-1677), autor da obra Ética, o melhor livro sobre os afetos alegres, a potência da vida ativa, entre outras obras escreveu uma que revela os erros, equívocos e enganos dos falsos profetas que transformaram a religião, em uma fonte de lucros para si através da exploração da superstição do povo. Trata-se do Tratado Teológico-Político onde o filósofo afirma ser a Bíblia um tratado político da formação do Estado do povo hebreu. Somente.
Eis aqui um breve trecho do tratado que ao ser comparado com a atuação dos falsos profetas se mostra profundamente atual.
“Inúmeras vezes fiquei espantado por ver homens que se orgulham de professar a religião cristã, ou seja, o amor, a alegria, a paz, a continência e a lealdade para com todos, combaterem-se com tal ferocidade e manifestarem cotidianamente uns para com os outros um ódio tão exacerbado que se torna mais fácil reconhecer a sua fé por estes do que por aqueles sentimentos.
Procurando então a causa desse mal, concluí que ele se deve, sem sombra de dúvida a se considerarem os cargos da igreja como títulos de nobreza, os seus ofícios como benefícios, e consistir a religião, para o vulgo, em acumular de honras os pastores. Com efeito, assim que começou na igreja esse abuso, logo se apoderou dos piores homens um enorme desejo de exercerem os sagrados ofícios, logo o amor de propagar a divina religião se transformou em sórdida avareza e ambição; de tal maneira que o próprio templo degenerou em teatro em que não mais se veneravam doutores da igreja mas oradores que, em vez de quererem instruir o povo, queriam era fazer-se admirar e censurar publicamente os dissidentes (…). Daí surgirem grandes contendas, invejas e ódio que nem com o correr do tempo foi capaz de apagar.
Não admira, pois, que da antiga religião não ficasse nada a não ser o culto externo (com que o vulgo mais parece adular a Deus que adorá-lo) e a fé esteja reduzida a crendice e preconceitos. E que preconceitos, que de racionais transformam os homens em irracionais, que lhes tolhem por completo o livre exercício da razão e capacidade de distinguir o verdadeiro do falso, parecendo expressamente inventados para apagar definitivamente a luz do entendimento”.
E Spinoza nós mostra qual o corpo que mantém os exploradores do vulgo dominado pela superstição. O medo!
Diz Spinoza: “A que pontoo medo ensandece os homens. O medo é a causa que origina, conserva e alimenta a superstição”.
Os falsos evangélicos agridem os que eles elevam como inimigos por medo estimulado pela irracionalidade dos falsos pastores que ambicionam nada mais do que o lucro. Por isso esses templos não passam de empreendimentos capitalistas cuja mercadoria é a superstição do fiel consumida por estes pastores como passagem para o especulativo paraíso.
Leitores Intempestivos