
O homem é livre para escolher. Sendo assim, ele é responsável por suas escolhas, por isso não há desculpas, visto que todas as escolhas são realizadas como ação em situação. O que confirma que a consciência que escolhe, escolhe comprometida. O que faz com que toda escolha seja um compromisso universal, já que a realidade humana é para todos. É o que nos mostra a filosofia existencialista.
O médico cardiologista do Distrito Federal, de 63 anos, Luiz Antônio Rodrigues Águila, afirmou, em defesa de seu filho que agrediu sua mulher grávida de quatro meses, postou em seu Facebook a afirmação, (depois apagou) que “as mulheres apanham, porque desrespeitam seus maridos”.
“Sabem porque (sic) tantas mulheres apanham? Porque desrespeitam seus companheiros. Respeitem e serão respeitadas. Nossas avós não apanhavam porque respeitavam. Respeitar é fundamental”, afirmou o médico falocrático, inimigo de Hipócrates.
Não precisa discorrer sobre o sintoma apresentado pelo médico, já que esse tipo de discurso e prática se viu e ouviu sendo expressado pela parte reacionária, invejosa e odiosa da sociedade brasileira contra a presidenta Dilma. Trata-se de misoginia. O conflituoso ódio contra as mulheres. Sintoma resultante de experiências cruéis com a representação da mãe, sempre coadjuvada com o auxílio do símbolo falocrático: o pai. Para Lacan: a Lei. O menino, ou a menina, que não pôde construir uma imago oblativa da representação da mãe, em sua vida adulta, se apresenta em companheirismo às mulheres. O amor compromissado. Não compromisso reduzido à família, “o que se fecha no casal ou na família”, como diz o filósofo Toni Negri, mas o amor que “constrói comunidades mais vastas”.
O misógino odeia as mulheres como reflexo da humilhação que sofreu da mãe. Daí que todas as mulheres surgem como investidas da mãe-cruel. Eles casam, têm filhas, porque coito e esperma não significa adoção filial, mas não são felizes com elas. Elas são mulheres. Entende-se que todo misógino tem conflitos fortíssimos em relação a sua sexualidade. O conflito com a mãe impediu o transcurso sexual que lhe levaria a sexualidade adulta. A vingança-sádica-erótica é perseguir as mulheres e espancá-las. Elas são frágeis fisicamente agora que eles a agridem, mas a mães era forte. Aí o nascedouro do ódio contra as mulheres. O que é diferente em relação a agressão a um homem. Aí a misoginia não tem função, posto que o homem, ameaça inimiga, é o prolongamento de seu desejo investido no Pai-Lei.
O médico, denegação de Hipócrates, afirma que às “avós não apanhavam porque respeitavam”. Moralina falocrática-fálica. Essas mulheres que ele mostra como “respeitadoras”, apanhavam e calavam. Tinham medo. Ou não apanhavam porque era anuladamente submissas. Além de que havia toda uma subjetividade hominista – nada a ver com macho. Macho é gênero, assim como fêmea, mas com homem e mulher que é cultural – que respaldava a violência do alcunhado marido. Uma subjetividade de homens frustrados, recalcados, apavorados com a potência do sexo, sublimavam ou batendo nas mulheres ou acusando-as de responsáveis por suas impotências. Um verdadeiro desfilar da ordem que foram submetidos quando crianças ao agenciamento coletivo de enunciação que os tornaram eunucos ontológicos. E que ainda persiste ainda hoje.
O enunciado hominista do médico cardiologista, que é de travar o coração, explica porque seu filho espancou sua mulher grávida de quatro meses ( se não tivesse grávida, mesmo assim a psicopatologia misógina ficaria caracterizada). Mas tem um enunciado que também deve ser sentido como preocupante: a criança que vai nascer. Um avó e um pai misógino. Como perguntaria Marx: qual mundo social vai servir de elementos constitutivos para a criação dessa criança? Qual mundo social vai troná-lo herdeiro da Terra? Segundo a mãe-gravida, Luiz Antônio Rodrigues Águila também bate em sua sogra. Na sabedoria popular: tal pai ta filho. Ou segundo Freud: A criança é o pai do homem.
“No dia 27 de novembro ocorreu a agressão. Ele me chutou, me agrediu na barriga e na nuca. Quase oerdi meu filho. Estou em cima de uma cama pelo menos 30 dias para salvar o meu bebê.
O pai dele estava tentando justificar a agressão do filho. O pai dele batia na minha sogra. O filho reproduz o que aprendeu em casa”, afirmou a mãe-agredida, Luciana Chaves.
A filósofa Hannah Arendt diz que só deve ter filhos e participar em sua educação, como professores, quem for responsável pela história do mundo. Caso contrário, procure outra ocupação. O misógino não tem qualquer preocupação com o mundo. A preocupação com o mundo significa comprometimento coma a vida. O misógino, que é um dos corpos básicos do nazifascismo, cultua, através de seu estado misógino-paranoico, a destruição do outro, a tanatosfilia. O amor pela morte. Ele não acredita em uma sociedade justa em que todos sejam sujeitos-criativos da história.
O médico foi mais um tagarela que impulsionado pelo corpo misógino se projeta sobre a mulher. Não qualquer diferença do seu tagarelar do tagarelar “mulher é estuprada, porque provoca o homem com essas blusinhas, essas sainhas curtas”. Tagarelar que confirma a impotência sexual do estuprador virtual ou real.
Já para a filósofa existencialista, amor necessário do filósofo da liberdade Sartre, Simone de Beauvoir, é questão é de escolha. Como toda escolha compromete a totalidade da realidade humana, uma mulher quando escolhe um homem escolhe por todas as mulheres. Assim, como todo homem que escolhe uma mulher escolhe todas as mulheres. Toda escolha é universal. Esse o comprometimento da escolhe em liberdade.
Se uma mulher escolhe um canalha, um golpista, um trapaceiro, um um cafageste, um corrupto, um, um vaidoso, um ambicioso, um exibicionista, etc., ela, como é um ser universal, escolhe para as outras mulheres esses tipos de cúmplices. Porque é assim que ela ver e entende sua realidade particular que é transferida para as outras mulheres. É por tal comprometimento que essa história de amor compensatório, eu vi nele um “quê” que não vi em outros, é pura sublimação fantasiosa. O amor, como diz Spinoza/Marx/Sartre, é produção. E produção é práxis e poises racionais.
Se não houver razão comprometida com a realidade humana, o mundo-historicizado, mas impulso pessoal, não há amor. Aí se mostram Hannah Arendt e Beauvoir, não há compromisso histórico e nem engajamento otológico.
Enquanto o engajamento histórico-ontológico não se faz realidade necessário, a justiça, através da Delegacia de Atendimento à mulher (Deam) da Polícia Civil investiga o caso. Que já encontrou duas ocorrências contra o médico cardiologista que dissipou o coração como símbolo da amizade.
Leitores Intempestivos