
! Era uma vez três amigos batalhadores da vida. Em suas batalhas cotidianas haviam realizado várias experiências para tirar o pé da lama, e nada. De camelô a porteiro de cemitério, e nada. Certo dia tiveram a grande inspiração: assaltar. Assaltar uma importante loja. Que iam tirar o pé da lama iam sim. Assim imaginavam felizes o plano. Bolaram todos os detalhes. Escolheram a vítima. Uma loja importante. A rua, o dia, o horário, estudaram os hábitos do vigia, tudo para que o plano fosse consumado com sucesso. Dia certo, horário certo, melhor ainda, noite de folga do vigia. Foi uma barbada entrar no recinto. Entraram, observaram os compartimentos, cheios de contentamento, imaginando o amanhã, mas quando passaram em frente a um quarto no corredor, uma porta entreaberta mostrou que tinham companhia: um casal no maior love. Não tiveram nem tempo de terminar o afeto/surpresa: foram assaltados por um barulho de porta arrombada e impropérios de furor. Correram e se esconderam em um cubículo. O arrombador de porta, ensandecido, entrou no quarto do love e a porrada comeu no centro. Era o marido da mulher adúltera, dono da loja. Os dois brutamontes se agarraram como quisessem matar o desejo acumulado de abraçar corpos másculos, e entre tapas e abraços chegaram até o corredor. O traído deu um murro no traidor, o traidor recuou ficando colado na porta do cubículo, o traído pulou de dois pés nos peitos do desafeto, a porta quebrou-se e os dois caíram em cima dos três. O amante gritou um puta que o pariu, esta mulher é insaciável. O desenganado gritou um eu que o diga. Uma vizinha que desde o começou ouvira gemidos suspeitos, produzidos pelo love, chamara a polícia, que chegou na hora que ia começar a grande batalha dos cinco. Conduzidos à delegacia, o delegado registrou o caso como passional. Soltou o casal, e o real amante, e os três amantes virtuais passaram a noite detidos em selas separadas para não armarem um escarcéu na delegacia. Pela manhã, depois de pagarem as fianças, foram soltos.
Meses depois, passada a dor da frustração, consideram o ocorrido e resolveram tentar outro assalto. Desta vez seriam mais meticulosos: nada de loja com vizinha ao lado. Escolheram a loja e lá foram assaltar no meio da madrugada. Dentro do recinto o prazer uterino: só sorrisos. Pegando um objeto aqui e outro acolá, um deles chegou na porta de uma sala, e foi tomado por um susto-erótico: um homem deitado de lado, sobre um tapete persa, a bundinha empinada, só com a marca do bronze. Não deu outra: o cara não se conteve, pulou em cima da bundinha empinada, o apolo adormecido acordou sorridente, enlaçou-o em seus braços e tascou-lhe beijos apaixonados. Os dois, ao ouvirem as gargalhadas entrecortadas por suspiros, estalos e juras de amor, se mandaram com as mãos vazias. No outro dia o amigo chegou na praça, onde sempre se encontravam, em um carrão com motorista particular e tudo. O bundinha empinada era o dono da loja. Quer dizer, de uma cadeia de lojas que estando carente pelo desprezo de seu ex-bofe, se apaixonara, beladormecidamente, pelo agora sócio.
Desfeito o trio, os dois resolveram deixar o ramo do assalto. Certa tarde, em uma rua, no maior rafael, avistaram em uma placa de um consultório psicológico a seguinte frase: “Você não nasceu para isto! Entre! A primeira consulta é grátis”. Não precisaram. Ao lado havia uma construção precisando de pedreiro, se inscreveram. Trabalharam durante alguns meses, levantaram uma grana, compraram passagens direto para São Paulo, procuraram um clube de futebol, pois tinham grande intimidade com a Matildes, treinaram, abafaram, foram contratados, fizeram sucesso, ganharam todos os campeonatos, inclusive pelo Corinthians, o mercado europeu comprou seus passes a peso de euro, fizeram mais sucesso na Europa, e então, como não eram qualquer Kaká brasileiro, formaram-se em filosofia, investiram maior parte de suas granas na educação de crianças e jovens pobres das Américas, África, Ásia, Europa… todos continentes. Criaram escolas e universidades cuja idéia saía do filósofo Nietzsche: “A vida não é argumento”.
!! Foi o que se poderia afirmar: um verdadeiro amor. Casaram jovens. Ela dezoito anos, e ele vinte e três. Uma vida de fidelidade e felicidade conjugada em dois. Amor eterno, infinitamente preenchido. Uma noite, depois de festejar seus quarenta anos, ele foi dormir. No outro dia não acordou para trabalhar. Ela desesperou. Pensou em se suicidar para ir a seu encontro. Mudou de idéia: era católica. O ato lhe castigaria com uma vida pós morte vagando eternamente em lugar algum. Esperou anos sofrendo com a angústia de encontrá-lo. Aos setenta e oito anos, morreu feliz, ciente que iria concluir sua bela união iniciada na terra. Ao chegar no topos do além morte, procurou logo, cheia de ansiedade, encontrar o seu fiel amor. Não demorou muito viu-o caminhando em uma praça. Correu para ele entre lágrimas de felicidade. Parou em sua frente. Ele sorriu, cumprimentou-a e se dirigiu à uma jovem de uns trinta anos sentada em um banco que, ao vê-lo, levantou-se, abraçou-o e beijou-lhe. Depois partiram de mão dadas muito felizes. E ela, no misto da dor e compreensão, foi se conformando. Entendera não existir tempo pós-morte. Quando se morre permanecem o corpo e a mente na mesma idade que se morreu. Ele com quarenta, e ela com setenta e oito. Ele conhecido para ela, e ela desconhecida para ele. Ela poderia pensá-lo, ele impossível pensá-la.
!!! Era uma vez uma ciadade onde todos viviam dentro de suas casas. Tendo a sua disposição tudo para para suas atividades cotidianas, as famílias desta cidade não necessitavam sequer de saírem para fazer compras ou ver amigos e parentes. Tudo era disponibilizado pelos avanços tecnológicos. Sem que houvesse qualquer tipo de alerta, houve um blackout na cidade. Todas as famílias permaneceram por alguns minutos paralisados com a situação inusitada. Logo que uns começaram a sair do estado de estagnação, outros acompanhavam a tímida procissão que ia se formando em cada casa do interior ao fora. A caminhada até a porta, que até aquele dia tinha perdido completamente seu sentido, posto que há muito perdera seu uso, que dava acesso para o lado externo das casas, começou lenta, com um certo medo, por parte dos assombrados com o desconhecido. Ao saírem viram, uns olharam os outros, as pequenas procissões que iam surgindo e preenchendo as ruas, antes solitárias, da cidade. Começaram a tentar uma conversa e descobriram o quanto não conheciam física e afetivamente uns aos outros. Eram vizinhos sem o menor laço de vizinhança. Eram parentes sem afetividade. Eram amigos sem a compreensão do sentir o outro. Em nada transavam. Alguém gritou: “A luz apareceu!” Todos trataram logo de entrarem em suas casas e desligarem os aparelhos tecnoeletrônicos. Assim poderiam forjar a certeza do eterno blackout e permanecer na rua, juntos, falando e ouvindo. Alegres!
!!!! Homem, casado. Com pressa. Atravessou a rua e correu até a esquina. Ao virar se chocou com outro corpo. Os lábios se colaram. Abraçou intensamente o outro corpo e foi abraçado. Acariciou o cabelo do outro corpo enquanto o seu era alvo dos carinhos das mão que subiam e desciam desesperadas como se fossem o prelúdio da morte anunciada. Os lábios se descolaram. Ele agarrou na mão Dele e mais calmo seguiu.
!!!!! Blackout. Quando acordou pela manhã a idéia veio como sempre imprevisível. Ficou horas parado na cama. Mas sua imaginação trabalhava com a sanha de um vespeiro. Viu uma cidade onde todos viviam isolados. Viu quando as luzes se apagaram, os aparelhos pararam. Como não tinham janelas, sem o ar condicionado, as pessoas foram forçadas pelo calor a sair. Percebeu a dificuldade que tinham em entabular a mais simples conversa. Durante o dia, enquanto tomava o ônibus, enquanto trabalhava, foram insurgindo-se outras situações. Sentiu como as crianças, largando as mãos dos adultos, entraram numa proximidade democrática, até fundarem um estado verdadeiramente democrático. Ao chegar do trabalho, apenas comeu algum biscoito com café e foi para a lan-house, para digitar a história e enviar para o amigo, que a publicaria na madrugada nos Encontros Casuais. Mas quando, na parte em que acrescentava como os moradores sentiam medo e esperança, sempre juntos na sua passividade… Blackout, a energia foi embora. Ligou para o amigo e relatou o ocorrido. O amigo afirmou que não escreveria a história do blackout na cidade, mas contaria a história do blackout que a impedira de ser contada. Mas daqui a pouco, quando já ia pelo meio… Blackout. Acabou que este encontro casual acabou não sendo postado, embora tenha sido intensamente vivido.
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