
É muito difícil encontrar um amazonense, um paraense ou nortista que não goste de farinha de mandioca. Saborear um jaraqui, acará, tambaqui, pacu, pirarucu, pirara, surubim, pescada ou cinquenta matrinchãs sem a toco mole, seca não faz parte do cardápio desse povo.
Mas eis que tem sido comum nesta não cidade de Manaus seu povo reclamar diariamente sobre o preço desse essencial produto na mesa manauara. Quando não há peixe, carne, o amazonense, paraense, nortista a colocam na cuia, misturam com água e tomam chibé, ou mingau.
O preço do produto está abusivo. Há mercearias, supermercados vendendo o quilo a R$ 10,00. Temos informações que na cidade de Maués já chegou a R$ 13,00 reais o frasco (dois litros.)
Aqui em Manaus varia. Vai de R$ 4,50 a R$ 15,00 o quilo. No domingo passado, após a projeção do nosso kinemazófico, atividade que realizamos com as crianças do bairro Novo Aleixo a mais de cinco anos, propusemos um debate com as mesmas tratando exatamente sobre o preço da farinha.
Antes explicou-se que para fazer a farinha o agricultor faz um roçado. Corta todo o mato pequeno, depois derruba com moto serra as árvores maiores. Antes era com machado. Levava em média uma a duas semana para a derrubada. Hoje com moto serra faz esse serviço em meio dia.
Tudo no chão se esperava que as folhas secassem. Quando estavam todas secas o agricultor as queimava. Tudo era incendiado. Ia para o espaço labaredas de fogo e fumaça.
Quando não queimava bem o agricultor tinha que “encoivarar”, isto é, juntava os galhos que não queimara para tocar novo fogo.
Feito isso era hora de plantar a maniva. É desse arbusto que fixo na mãe terra surgirá a mandioca.
Passado 8, 9, 10 meses ela passa pelo menos por duas capinas e depois estará pronta para ser colhida, arrancada.
Para arrancar a mandioca o agricultor, dependendo da quantidade de farinha que vai fazer leva no mínimo um dia.
Uma parte é colocada dentro d’agua e outra é descascada para ser ralada. Antigamente era no ralo, manual. Hoje já há meios modernos de cevar. Dez paneiros de mandioca se ceva em menos de 30 minutos. Antigamente levava-se dois dias.
Depois disso retira-se a que está dentro d’agua para misturar com a ralada. Essa mistura é que vai dar a cor amarela.
Essa massa ficará uma noite descansando para no dia seguinte, por volta da quatro madrugada ser secada no tipiti de onde é extraído o tucupi e a tapioca.
Depois de seca a massa é peneirada.
Com a lenha retirada do roçado acende-se o forno. Primeiramente a massa é escaldada. Usa-se no caso do Amazonas um remo nesse primeiro momento e quando já está sem a água se usa um rodo.
No final, depois de mais ou menos 3 a 4 horas, dependendo da quantidade de massa a fornada estará pronta. A parte fina, torrada, o “caboco” retira para fazer caribé. Uma bebida apurada bastante consumida por estas bandas.
Adivinhem agora criançada, quanto custará uma saca de farinha produzida pelo agricultor?
Ele venderá por R$ 50,00 ou, 60,00 reais. Trabalhou uma semana. Haverá pessoas que reclamarão desse preço, mas não levam em conta o trabalho que deu ao agricultor para fazê-la.
O atravessador que não é “besta” vai lá e compra tudo. Depois ele mesmo fará seu preço. O produtor, o consumidor perdem e quem ganha é o atravessador e o comerciante, concluiu Eduardo.
Eles colocam o preço que quiserem porque não há no Estado do Amazonas uma política de preço mínimo para o agricultor e nem fiscalização no comércio. Não há incentivo para a produção de mandioca. Nessa relação promíscua temos a mais-valia ou mais-valor que proporciona o lucro do explorador, segundo Karl Marx.
Com o bolsa floresta, bolsa verde, bolsa defeso, assentamento do INCRA o caboco não faz mais roçado. Ele não pode mesmo, porque é proibido desmatar. Volta a viver como seus ancestrais viviam. Trabalham pela manhã e folgam a tarde, pois o dinheiro que recebem do governo compram farinha e os demais mantimentos.
Enquanto isso, nossos cinéfilos entenderam o processo de feitura da farinha, da comercialização e da exploração do trabalhador que produz, mas no final acaba como o grande perdedor. Só não perdeu a Micaela que no sorteio ganhou um quilo de farinha que custou R$ 10,00 reais importada de Santarém, do belo Estado do Pará.
Os moradores desta não cidade ao criticar o preço desse cereal estão dando sua contribuição como cidadãos e particípes da vida em comunalidade.
Sem participarem de manifestos nossos consumidores afinados debateram sobre o preço abusivo da farinha que tem como grande perdedor o agricultor e o consumidor e ganhadores, o atravessador e o comerciante, na conclusão do nosso cinéfilo, Eduardo, criança de 10 anos, assíduo frequentador a mais de cinco anos das nossas sessões de cinema que não passam nas tevês abertas nem fechadas, aos domingos, na Rua Rio Jaú.
Ps. Nosso próximo texto versará sobre Manifestantes e Povo – baseado em “Multidão”- Guerra e democracia na era do Império, obra de Michael Hardt e Antônio Negri.
Leitores Intempestivos