


As relações entre homens e mulheres se materializam primeiramente através da fenomenologia do corpo. O corpo à distância, já que o homem é um ser das distâncias, como bem disse o filósofo Nietzsche. Eu vejo alguém que passa na calçada em uma perspectiva de corpo inteiro. É esse ser fenomenológico do outro que determina minha consciência como reflexão de que alguém é observado por mim. Se me aproximo desse outro, e então percebo seu rosto, tenho o ser do fenômeno de seu rosto. Aí, posso estabelecer compreensões sobre esse outro.
O senso comum carrega sua psicologia de interpretação dos traços dos rostos das pessoas acreditando no que ele encontra as pessoas inteiras expressadas em cada rosto. “Tem um rosto bom. Tem rosto de ladrão. Tem rosto de psicopata”. Na verdade, não passa de projeção do interpretador sobre o outro. Não há aí nem um indicador filosófico, mas tão somente linguagem resultante do processo de seleção, classificação e hierarquização que o interpretador foi submetido pela voz de comando do poder dominante. Classificar tipos é o que o poder dominante quer para se manter protegido.
Como o desgoverno golpista oferece um rico leque de personagens que servem a estudos para além dos sociológicos, que leva muitos articulistas, juristas, intelectuais, sindicalistas, estudantes, a sociedade civil, em suas nuances democráticas, a se dedicarem aos entendimentos e opiniões, hoje, o personagem mais em evidência para estudos é o indicado de Temer para o Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.
Apenas como breve contribuição para esses estudos, nós apresentamos duas enunciações dos filósofos Deleuze e Guattari e Sartre para a compreensão dos rostos e do olhar do indicado de Temer.
Os filósofos Deleuze e Guattari, no 3 Volume da obra Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia, afiram que o homem nasce com cabeça, mas sem rosto. O rosto é uma produção. “O rosto não é um involucro exterior que fala, que pensa ou que sente”. O rosto é um sistema muro-branco-buraco negro, onde são inscrito uma semiótica significante e uma subjetivação. A rostidade. O muro do significante e o buraco-negro da subjetivação.
Os dois filósofos resume assim o conceitos de rostidade: “Os rostos concretos de uma máquina abstrata de rostidade, que irá produzi-los ao mesmo tempo que der ao significante seu muro branco, à subjetividade seu buraco negro”. Os dois filósofos afirmam que não há nada a explicar e interpretar, mas sabe-se que a máquina abstrata produz rostidade paranoica como o rosto-significante-subjetividade-capitalista. Entretanto, todo rosto pode ser destruído para fazer surgir outro. Possivelmente a rostidade revolucionária.
A enunciação do filósofo Sartre é endereçada a fenomenologia do olhar que é desenvolvida em sua obra O Ser e O Nada. Para Sartre a questão não são os olhos, mas o olhar. Como toda pessoa é liberdade, todo olhar é um olhar que se quer transcendência-transcendida. Ou seja, todo olhar como liberdade transcendência-transcendida propende a coagular, empastar o olhar-liberdade do outro.
Em outro entendimento. Eu sou surpreendido por alguém me olhando. Pronto! Volatizou minha liberdade. Agora sou objeto posicionado do olhar do outro. Poderia até se dizer que vivencio um instante de nadificação do meu Para-si. Sou um imobilizado Em-si. Impotente diante desse olhar que me coloca no “olho do mundo”. É semelhante à vergonha que vivencio quando estou atento a olhar uma situação que tomo como proibida e sou surpreendido com alguém me olhando. Deixo de ser sujeito do olhar para me tornar objeto do olhar do outro que com seu olhar mantém sua liberdade, enquanto eu perco a minha como objeto dele. A conhecida sangria existencial.
Deleuze e Guattari não aceitaram a fenomenologia do olhar apresentada por Sartre, e também a teoria do olhar apresentada por Lacan que foi extraída de Sartre. Todavia, para o propósito desse texto tanto o conceito de produção de rostidade de Deleuze e Guattari e a fenomenologia do olhar de Sartre servem para o nosso propósito.
No caso do cúmplice de Temer, Alexandre de Moraes, trata-se de se observar sua rostidade como significante de uma semiótica voz de comando em que as inscrições codificadas ficam bem visíveis e concretizadas por força de suas condutas. E observar no rosto, espaços que ainda não foram fixadas inscrições tanto da linguagem significante a da subjetivação. Claro que as análises da psicologia dos tipos não chegam a esse agenciamento das máquinas abstratas produtoras de rostidade, porque se resumem a relação objetiva de comportamentos.
Já a fenomenologia do olhar de Sartre endereça ao olhar-sujeito como liberdade transcendência-transcendida sobre a liberdade do personagem que em um momento de sua existência foi surpreendido pelo olhar que empastou sua liberdade impossibilitando sua transcendência-transcendida, vocação do Para-si. O sujeito-olhar determinou nele a situação de objeto-olhado empastado. Um olhar inquiridor, reprovador, punitivo, judicativo lhe imprimiu um olhar-culpa, olhar-medo, olhar-desconfiança, olhar-defensivo.
Como as pessoas de seu círculo estão mais preocupadas com suas atuações-egoícas não percebem seu olhar. E também, seu olhar-culpado é deslocado do olhar dos outros por suas performances tidas por alguns como desajeitadas que leva os analistas políticos, jurídicos, e outros, o classificarem como um ministro sem os elementos essenciais para ocupar o cargo no STF. Mas é preciso entender que suas performances são suas defesas para ocultar a força do olhar que lhe imobilizou para que ele não se veja descoberto sem a liberdade ontológica que ficou presa no olhar do outro que para si foi seu primeiro olhar-original no mundo. O olhar que colocou no mundo. Um mundo ameaçador. Uma demonstração existencial: seu autoritarismo. Trata-se de defesa contra o olhar-medo.
Se tomarmos Deleuze, Guattari e Sartre como fundamentação para aproximação com os outros, fica fácil de entender que Lula e Dilma falharam nas escolhas dos ministros para o STF, porque não levaram em conta a rostidade e a fenomenologia do olhar.
Atenção, Lula, em 2018! A questão não é o rosto, é a rostidade. A questão não são os olhos, mas o olhar.
Leitores Intempestivos