Para Mina, São Sebastião “é um Xapanã, e o Rei Sebastião da Praia do Lençol. Então, nós louva neste dia, canta para toda família do lençol, todos os voduns da praia do lençol”. Oferendas, cantos, louvores e muito axé na maravilhosa festa de derrubada do mastro de São Sebastião na Casa de Mina de Mãe Emília. São Sebastião, o guerreiro, santo católico, protetor dos gays, dos que lutam pela liberdade. Santo que expressa a mais justa solidariedade.
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MARAVILHOSA FESTA DE DERRUBADA DO MASTRO DE SÃO SEBASTIÃO NO CENTRO DE TAMBORES DE MINA DJÊ DJÊ/ NAGÔ TOY LISSA AGBÊ MANJA DE MÃE EMÍLIA
Published sábado, 25 janeiro, 2014 Afro-Afin , Mina , Religião , Sincretismo Leave a CommentTags:Afro-Afin, Caboco Ubirajara, Mina, Religião, Religiões Afrobrasileiras, São Sebastião, Turco Ubirajara
OBRIGAÇÃO DE JÉSSICA DE YEMANJÁ (AGBÊ MANJÁ) NO TERREIRO DE MÃE EMÍLIA
Published quinta-feira, 2 fevereiro, 2012 Afro-Afin , Mina , Religião 8 CommentsTags:Afro, Afro-Afin, Mina, Religião Afrobrasileira, Religiões Afrobrasileiras, Tambor de Mina
Na foto acima vemos a união dos participantes e filhos do Centro de Tambores de Mina Djê Djê/Nagô Toy Lissá Agbê Manja em Manaus que estiveram reunidos nesta última sexta-feira para celebrar mais uma obrigação de Jéssica de Agbê Manjá (que é Yemanjá no Ketu) .
Jéssica, que na foto acima está ao lado de Mãe Emília, segurando o buque de flores, conversou com nosso bloguinho contando a demanda e esforço que uma obrigação exige, mas que sempre é algo muito recompensante, pois envolve uma liberdade e maturidade espiritual.
“Esta obrigação foi cansativa, mas vale muito a pena. Para quem tem a religião como prioridade, para quem valoriza a feitura de santo é uma vitória muito grande, até porque é sacrificante você parar um pouco da sua vida, se recolher, e se dedicar o momento só para o espiritual. Para quem tem trabalho, tem estudo, para quem nem mora aqui, pois eu não moro mais aqui, já estou morando em outro país com o meu marido e vim para cá fazer esta obrigação. Mas este sacrifício é bem valoroso.”
Esta obrigação está acontecendo após três anos da saída de Jéssica onde foi feito o ritual, revelado o nome do santo no roncó. Jéssica que sempre foi muito dedicada e tem um grande afinco com sua religiosidade.
Jéssica em sua primeira saída a público nesta obrigação veio com as vestimentas de Yemanjá (Agbê Manjá), entidade de Jéssica que fora revelada em sua saída na religião. Sempre bela e magestosa, a rainha do mar de vários nomes, encheu o terreiro de alegria em seus pontos como pode ser visto no vídeo abaixo.
Como a obrigação não era apenas para Yemanjá, após alguns pontos Jéssica se recolheu para fazer sua segunda saída como um Xapanã, coberto de palha que também recebeu suas oferendas durante a obrigação.
Esta segunda saída como Xapanã tem um signifacado importante dentro da obrigação. Jéssica nos explicou um pouco sobre a obrigação em si e também sobre a importância desta segunda saída:
“A obrigação de hoje é uma confirmação da minha feitura (saída), então a gente se recolhe durante uma semana, dá todo o panaiá, as frutas, toda alimentação. Se recolhe, confirma e faz a saída dos outros santos que não foram feitas no caso o Xapanã, o segundo que estava coberto de palha. Ele é da família Akossi Sakpata, a mesma de Obaluaê, só que é Xapanã.”
Enquanto Jéssica se preparava para sua terçeira saida os abatazeiros continuaram rufando os tambores e vários pontos eram cantados com muita devoção e alegria por todos os presentes.
Eis o grande momento quando Jéssica saiu como gentil Rainha Rosa, quem recebeu um buque de flores amarelas e foi saudada com diversos pontos.
Rainha Rosa
Princesa menina
Ela dançou em Mata de Codó
Dançou em Codó
Rainha Rosa
Princesa menina
Vamos ver a Mata de Codó
Vamos ver a Mata de Codó
Senhora Rosa Rainha
Pra que mandou me chamar
A senhora mesmo é quem sabe
A grande força do mar
E com a saida de Rainha Rosa a festa continuou e como sempre vivida, se estivesse acabado de começar e não se quisesse mais terminar.
A Estrêla da Guia
Guiou nosso Pai
Guiai esses filhos
Caminhos que vai
O viva Jesus
Nosso Pai redentor
que na Santa Cruz
seu sangue derramou
E com os tambores já cobertos chegou a hora da distribuição dos bolos dos três homenageados a todos os presentes. E a mesa que previamente decorada estava fabulosa com os bolos, os santos e muito axé. Jéssica que fez esta bela obrigação fez a distribuição e com todo seu carinho e dedicação atendeu a todos finalizando sua belissima obrigação. E nosso bloguinho deseja que Jéssica continue em sua vida religiosa e que esta lhe traga muita paz, axé nos fundamentos do tambor de mina.
DERRUBADA DO MASTRO DE SÃO SEBASTIÃO NO CENTRO DE TAMBORES DE MINA DE MÃE EMÍLIA
Published quinta-feira, 26 janeiro, 2012 Afro-Afin , Mina , Religião , Sincretismo 3 CommentsTags:Afro-Afin, Mina, Religião, Religiões Afrobrasileiras, São Sebastião
Clique nas fotos para amplia-las
Oh! Mater em cristo
Meu santo varão
Livrai-nos da peste
meu São Sebastião
Salve o cristo puro
Estrela luzente
Prodígio das graças
do onipotente
Oh! Mater em cristo
Meu santo varão
Livrai-nos da peste
meu São Sebastião
Na última sexta-feira (20) foi comemorado no Centro de tambores de Mina Djê Djê/Nagô Toy Lissá Agbê Manja em Manaus a tradicional festa de São Sebastião, o martir que é padroeiro dos soldados, atletas, dos homossexuais e toda moçada LBGT. Além de ser um santo cristão, ele é cultuado pelas diversas religiões afro reprentado no chamado sincretismo de Oxóssi, o santo que mora nas matas e a a proteje.
A festa é celebrada nos terreiros de Mina louvando São Sebastião que para a mina “é um Xapanã e o Rei Sebastião da Praia do Lençol. Então nós louva neste dia, canta para toda a família do lençol, todos os vodums da Praia do Lençol” explica Nochê Hunjaí Emília de Toy Lissá/Agbê Manjá que também deu um depoimento sobre o santo.
Já fazem 35 anos que eu faço esta tradição. Primeiro eu faço por que ele me pertençe, neste tempo todinho é do mesmo mês meu, mesmo dia meu, é meu protetor como santo e como vodum. Então tenho que fazer esta louvação a ele e todo ano eu faço. E a gente canta pra Xapanã, para Rei Sebastião e canta para o homem também. Depois a gente abre pra Oxóssi, por que uma nação, como por exemplo na Bahia na casa de Mãe Menininha, eles tem Oxossi como Ogum, e na verdade ele foi um guerreiro, um soldado, herói, batalhador. Então tem umas nações que pra eles ele é um Ogum.
E a festa começou quando santo, que estava em um andor enfeitado de flores, era carregado em volta de seu mastro enquanto era cantado o ponto “Bendito São Sebastião”. Com muita alegria cantou-se para São Sebastião.
Nasceste no berço
Do vil paganismo
Porém a fé santa
Vos deu o batismo
Vós desde menino
Já nos ensinava
A religião santa
Que ao culto amava
Após as orações para São Sebastião chegou a hora da derrubada do grande mastro que estava fincado no solo. O mastro estava repleto de frutas, vegetais e outros produtos incluindo cupuaçu, laranja, pupunha, milho, banana, abacaxi, pé de moleque, mel, vinho entre outros. A primeira batida no mastro foi feita por Mãe Emília, seguida de seus filhos de santos e dos demais presentes
Depois de várias batidas o mastro foi ao chão e junto dele os presentes foram pegar os alimentos repletos de axés de São Sebastião. Abaixo vemos o vídeo de todo a caminhada com o santo e a derrubada do mastro
Após a queda do mastro foram acendidas diversas velas para Sebastião, foram feitos os pedidos, agradecimentos, oferendas e rezas para o santo para que se construa um ano de muito axé.
E assim chegou a hora de voltar ao salão e trazer novamente o martir para continuar a festa. E que festa alegre esta do centro de tambores de Mina, que seguiu durante a noite toda.
E os tambores começaram a rufar pelos abatazeiros (ou ogams em outras nações) enchendo todo o terreiro de vibrações e dando vida para os diversos pontos cantados louvor.
E os convidados foram chegandos e muitos deles de outras casas de santo foram entrando na roda e alegrando o salão de cores e cantos.
Rei Sebastião,
Ele é guerreiro militar
Rei Xapanã, ele é pai de terreiro
Lá numa guma, guma Imperial
Quem tiver a sua vista aberta
Agora que eu quero ver
Sebastião arrasta as correntes
Fazendo a terra tremer
Pai Edson de Codoense usou sua voz melodiosa para puxar rezas para Rei Sebastião para que Mãe Emília se preparasse para receber o aniversariante da noite o turco Ubirajara.
E desceu na cabeça de Mãe Emília o turco Ubirajara, que se chama de caboco, mas é na verdade um turco, como explicou mãe Emília que festeja além de Sebastião, o seu aniversário de Ubirajara em sua cabeça.
E depois se louva os turcos como já é uma tradição não só na minha casa como nos terreiros do Maranhão todinho, fazem homenagem neste dia, levanta mastro e festejam. A entidade, o seu Ubirajara é um turco. Nós chamamos caboco, mas ele é um turco que já vem luas e luas. Na minha cabeça está com 45 anos que eu trabalho com ele.
Meu pai Turquia
Já içou sua bandeira
Venha ver como é bonito
ver seu filho na trincheira
Com teu lindo Penacho
É Um Penacho De Arara.
Com o Rompe da Mata Virgem
Com o Rompe da Mata Virgem
Ele é O Caboclo Ubirajara.
Ele é Bira,
ele se chama Ubirajara
Ubirajara quando chegou
Não temeu a caboclo nenhum
Ubirajara quando chegou
Não temeu a caboclo nenhum
Ubirajara é caboclo bravo
Não temeu a caboclo nenhum
Edmundo velho Edmundo
Edmundo velho Edmundo
Eu me chamo Ubirajara
Meu pai Oxossi é guardião
Do outro mundo
Eu me chamo Ubirajara
Meu pai Oxossi é guardião
Do outro mundo.
E então começaram a descer também diversos cabocos e encantados como a caboca índia Ida e vários outros que logo também passaram a saudar os presentes.
Pai Dinho que também estava presente puxou alguns pontos com sua voz forte e agradável que compunha com os abatás e mostrava aos presentes a beleza e força do tambor-de-mina.
Estrela d’alva
é a sua guia
Ubirajara é um
caboco valente
Ubirajara mora
Lá na mata
Lá na grota funda
Lá no fim do mundo
Só queria meu Deus
só queria
Ver o canto
dos Orixás
Eu queria meu Deus
só queria
Ver o povo
da banda de lá
O grande momento da noite chegou quando os seis bolos do aniversariante turco Ubirajara foram distribuido para os presentes, assim como diversas frutas para todos os presentes que esperaram em fila a degustação deste presente com muito axé. E nesta alegria a festa trouxe toda disposição e envolvimento da Mina.
Parabéns pra você
Nesta data querida
Muitas felicidades
Muitas forças em luz
Não é, não é, não é
Todo santo tem seu dia
Não é, não é, não é
Seu Ubirajara hoje é seu dia
CONVITE PARA COMEMORAÇÃO AO MARTE SÃO SEBASTIÃO
Published quinta-feira, 19 janeiro, 2012 Afro-Afin , Mina , Religião , Sincretismo 1 CommentO CENTRO DE TAMBORES DE MINA DJÊ DJÊ/NAGÔ
TOY LISSÁ AGBÊ MANJA
CONVIDA
Os adeptos e simpatizantes dos Cultos Afros para mais uma comemoração ao Marte São Sebastião
No dia 20/01/ 2012 a partir das 16:30 com a derrubada do Mastro do Santo. Logo após os tambores rufam em Homenagem a Dom Sebastião, chefe da família dos Lençois.
Endereço: Rua Pintassilgo, no 100, Cidade Nova II, próximo ao Cruzeiro.
Nochê Hunjaí Emilia de Toy Lissá e Agbê Manjá
Morrer por causa da fé chama-se martírio, e garante o céu para qualquer pessoa que morre por amor de Deus, seja ela batizada ou não. Martírio de São Sebastião, cujo sepulcro tem sido venerado pelos fiéis desde a mais remota antiguidade Cristã.
PELA LIBERDADE DE CULTO ÀS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS
Published segunda-feira, 22 novembro, 2010 Afro-Afin , Candomblé , Mina , Movimentos Sociais , Negritude , Negro , Preconceito , Religião , Sincretismo , Umbanda , Umolocô 2 CommentsSeu doutorzinho quer que chame de doutor
Seu doutorzinho quer que chame de doutor
É duvidoso, cativeiro acabou
É duvidoso, cativeiro acabou
Branco sabe ler, também sabe escrever
Só não sabe dia em que morre
O preto é quem vai dizer!
Em memória ao Pai Francisco do Morro da Catita, com seu Umbandão pé no chão, que foi para o Orun no início desse ano.
Uma das principais questões hoje no Brasil, como ficou visível nas últimas eleições, é a defesa da liberdade religiosa, é a defesa constitucional do Estado laico que é o Brasil, onde se pode, segundo a lei, desde que não se ofenda a outrem, cultuar a religião que se quiser: Cristianismo, Budismo, Hinduísmo, Xamanismo, Agnosticismo, Espiritismo, Candomblé, Umbanda, Mina Jeje-Nagô, Umolocô…
“É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.” (Constituição, Art 5º-VI)
Quem não quiser também estará livre para não cultuar nenhuma: Ateísmo. E há no Brasil até quem invente novas formas de religião a partir do que venha a ser religião e da importância de se cultuar uma religião. No emaranhado de interesses mesquinhos em que se consagram todos os sistemas de todas as eras, praticamente todas as religiões se jogam na busca pela Verdade, seja para auto-aperfeiçoamento, seja como direcionador de ações. Atualizemos filosoficamente a questão em Aldous Huxley, quando ele trata a religião como sendo um filtro para conhecimento da realidade, ou no sentido de “ver o íntimo das coisas”, como diz Nietzsche sobre a poesia. Assim, mesmo alguém que se diz ateu pode estar imbuído de religiosidade.
Que lindo! Poderíamos até dizer que foi assim que Jesus Cristo, o palestino, sonhou. Mas por que a intolerância gera tantos conflitos que até se gerou um leniente ditado que diz que “religião e política não se discute” quando, ao contrário, quando a religião sai da esfera do foro íntimo – crença individual – e adentra à esfera da coletividade – persuasão política -, tem-se que se discutir? Elementar: é que grande parte das religiões, principalmente as chamadas Grandes Religiões, se emaranharam a mesquinhos interesses. Por isso que, no Brasil, dentre as inúmeras formas de discriminação que constituem o racismo está a intolerância religiosa aos cultos afro.
Para se perceber as discrepâncias que daí resultam sobre as religiões afro, basta observar um fato ocorrido numa das escolas onde a AFIN, de quem este bloguinho é vetor virtualizante, foi fazer sua explanação com o tema que vai no título deste texto. Acontece que se um adepto de uma religião cristã procura uma escola, fato corriqueiro em Manaus, para “pregar a palavra do Senhor”, ninguém chega sequer a aventar uma falta de “interesse público”, como prevê a Constituição, de catequização religiosa em espaços públicos; agora se o pessoal da AFIN aparece com um pai de santo, e neste caso com “interesse público” comprovado, e sem catequização, mas sim discutir a autenticidade das religiões afro e desfazer certas estigmatizações, há professores que protestam e ameaçam se retirar. Daí se percebe que a laicidade do Estado não está sendo observada por parte de muitos cristãos.
Não fazemos aqui uma crítica ao Cristianismo em si, que acreditamos uma religião autêntica, mas à irracionalidade de adeptos individuais e de vis interesses que subvencionam essa religião desde pelo menos sua oficialização no Império Romano, quando tendências distintas, à época de Santo Agostinho, se engalfinhavam com palavras esdrúxulas, pedras e armas, até que uma dessas tendências prevaleceu pela força física mais do que ideológica ou de fé. Desde aí, passando pelas Cruzadas, pela Reforma Protestante, pela Contra Reforma, pela Caça às Bruxas, chegando até os dias atuais com a deprimente divisão do mundo entre Ocidente cristão e Oriente islâmico, vê-se uma epopeia sangrenta que pouco tem a ver com a simplicidade e ternura do filho de Maria.
Como o Cristianismo é a maior religião no Brasil, muitas igrejas e manifestações individuais demonizam outras religiões, julgando-as violentamente segundo seus dogmas irredutíveis. Em Manaus conhecemos budistas que se queixam do preconceito que sofrem. Quer dizer, não são apenas os cultos de matriz africana, mas como os adeptos dos cultos afro, tendo o Brasil nos negros uma das etnias de nossa formação, as condenações sumárias para estes é muito mais abundante e frequente, sabendo-se que só em Manaus há cerca de 3 mil lugares, entre terreiros, barracões e bancas, onde se cultua alguma religião de matriz africana.
Talvez isso não ocorra em todo o Brasil. Ouvimos seu Baianinho do Tambor de Mina, na cabeça de Pai Miguel de Vondoreji, do Terreiro da Fé em Deus, contar que no Maranhão há padres que rezam a missa e que depois vão ao terreiro e incorporam aí suas entidades. Mas em Manaus, e provavelmente em muitos outros lugares, a lista de estigmatizações é imensa. Semana passada ouvimos uma jovem dizer que “nos terreiros de macumba as pessoas bebem sangue”. É muito comum ouvirmos que os orixás, cabocos e voduns são demônios e que todos os macumbeiros vão para o inferno.
Com argumentos rápidos e certeiros, mesmo para nós deste bloguinho, que não somos diretamente adeptos dessas religiões nem antropólogos especializados, é fácil derrubar tais preconceitos aberrantes. Esses três anos de trabalho incansável, desde que num domingo à tarde baixamos no terreiro de Pai Jeovaņo de Ajagùnnọn, já nos levaram a entrar em contato com cerca de uns 100 terreiros e barracões e nos deram algumas informações necessárias para isso, ao que juntamos nossa filosofante vontade de amor e comunhão. “Os homens são diferentes, mas não desiguais, nem separados: são como os dedos da mão. Iká ko dogbá, os dedos não são iguais, diz um aforismo nagô”, declara o filósofo candomblecista Muniz Sodré.
Para começar, vulgarmente se utiliza a palavra “macumba” de forma pejorativa e generalizada. As pessoas que assim o fazem não sabem sequer que não existe apenas uma religião afro, mas diversas, entre elas o Candomblé, a Umbanda, Mina Jeje-Nagô, Umolocô. Sem falar que os cultos afro congregam na verdade vários outros credos e entidades que não são propriamente de matriz africana, como as pombogiras, como os cabocos indígenas, o povo cigano, santos, anjos e até bruxas.
No Brasil, o caso mais curioso é a aproximação de santos católicos com orixás dos cultos afro, o que se denomina sincretismo. Como os escravos não tinham permissão para cultuar seus orixás, eles escondiam uma imagem deles entre os santos ou cultuavam algum santo que de alguma forma tinha característica que se aproximava de um orixá. Por exemplo, como a entidade por assim dizer maior católica era Jesus Cristo, então os negros relacionavam-no a Oxalá, seu orixá maior. Assim foi que Nossa Senhora da Conceição virou Oxum, São Sebastião virou Oxóssi, São Jorge virou Ogum, São Lázaro virou Obaluaê, Santa Bárbara virou Iansã e por aí vai.
Uma das maiores polêmicas ocorre na aproximação vulgarizada de Exu com o Diabo. Mas se percebe que essas aproximações são apenas providenciais; mas não, essenciais. Enquanto no Cristianismo o Diabo, o Satanás é tido como uma entidade terrível com a qual nenhum acordo deve ser feito, a não ser que se queira vender a alma ao capiroto, nos cultos afro Exu é o primeiro orixá a se louvar, sendo que é ele quem abre os bons caminhos e fecha a soleira da porta do barracão para o mau olhado. Hoje há também quem diga que Exu é na verdade o Espírito Santo. De qualquer modo, todos os adeptos dos cultos afro com os quais conversamos foram sempre unânimes de não levar a sério essa história de sincretismo, que, para eles mais auxiliaria na demonização de suas religiões, uma vez que prevaleceria, embora o Brasil sendo laico, a religião dominante.
Se observamos que uma religião como o Candomblé é muito mais antiga do que o Cristianismo, mais antiga até que o Judaísmo, e originada em uma outra realidade geográfico-política, como que ela poderia ser julgada por este? Só há uma forma: até hoje, muitos cristãos – não todos, claro – tendem a querer impor à força para as outras nações, para outras pessoas o seu credo como único e verdadeiro. Já houve muitos casos em que meios de comunicação usaram de truculência contra as religiões de matriz africana, e é por isso que existem hoje leis contra racismo e intolerância religiosa para punir as manifestações violentas e agressivas.
Em Manaus há entidades que lidam diretamente com a questão, como a Federação de Umbanda e Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Amazonas (FUCABEAM), presidida pela querida Nochê Hunjaí Emília de Toy e Lissá, e a Federação Brasileira de Umbanda, Cultos Afro-Brasileiros e Ameríndios (ABUCABAM), presidida por Pai Lairton da Oxum. A luta dessas entidades se faz também na medida de modernizar as práticas nos terreiros, como já explicou em entrevista neste bloguinho Pai Ribamar de Xangô, coordenador no Amazonas da Federação Nacional dos Cultos Afro-Brasileiros no Amazonas (FENACABI). Há ainda a Associação Movimento Orgulho Negro do Amazonas (AMONAM), presidida pelo companheiro Luiz Costa, que faz um trabalho diretamente nas escolas.
Mas há pessoas que, embora estando no “mais baixo grau de entendimento”, repetem estigmatizações ofensivos às religiões afro apenas por medo e falso misticismo, mas que merecem alguns argumentos que lhes faça abrir os olhos. “Ter os olhos abertos é derrubar as paredes divisórias das ditas raças, classes, crenças e conceitos. Apertar o Outro contra o coração como se fosse um membro de sua própria família é coisa digna só de gente” (Muniz Sodré).
Como já dissemos, as religiões afro congregam vários outros credos. E se há preconceitos de muitos cristãos contra as afro-religiões, não os há destas para com aqueles. “Agradeço a todos os orixás e a Nosso Senhor Jesus Cristo…”, é o que dizem praticamente todos os pais de santo. Em Manaus há vários centros que realizam festas católicas, mormente os que praticam Mina Jeje-Nagô, com direito a novenas, terços e cânticos hagiográficos. Transparece que o preconceito é mais arraigado entre os chamados evangélicos, mas também estes, além de não estarem acima das leis, devem aprender a con-viver com a diferença e perceber o Outro sem as barreiras extremistas do fanatismo.
Deixamos a melhor parte para o final. Como não somos adeptos, não estamos fazendo nenhum estudo antropológico sistemático, não ganhamos nada a não ser a bênção dos orixás, cabocos, voduns e outras entidades, uma pergunta sempre recorrente nos é colocada: “Você acreditam nisso?” O filósofo da Feira de Santana citado acima, numa entrevista de 2003, falando sobre Pierre Verger, explica que a palavra “acreditar” tem vários sentidos, entre eles “aceitar”, “confiar” e “dar crédito”. Um dos motivos que causam o medo que provoca o preconceito de muitos é o vigor das religiões afro e sua autenticidade. Para quem observou fotos e conversas que tivemos, alguém que nunca foi num terreiro, se souber olhar, verá uma pequeníssima demonstração de toda a beleza que vimos nessas noites inteiras acompanhando esses rituais. Sabe quanto conhecimento e ternura há numa conversa com um preto velho? Você já viu alguém mais alegre do que aquela pombogira? Onde já se viu cigana tão linda? Que harmonia no gingado das baianas! Tantos pontos, tantas rezas maravilhosas! E o que é para os ouvidos toda a musicalidade do tambor de mina? A voz daquele caboco lembra uma história que não foi contada pela História oficial…
O papel que nos propomos não é convencer ninguém, mas não nos repitam mais aquela pergunta tola. Lutar pela liberdade de culto às religiões afro-brasileiras é hoje no Brasil a principal luta contra o racismo e, ainda mais, é a defesa constitucional do Estado laico.
Nosso papel também não é convidar ninguém para ir ao terreiro, mas se quiser ir com certeza lá nos encontraremos, porque, livres de todos os medos e preconceitos, lá sempre nos sentiremos bem e completos de corpo e alma. Axé!
BOIZINHO ESTRELA DO ORIENTE NO CENTRO DOS TAMBORES DE MINA JEJE NAGÔ TOY LISSÁ/AGBÊ MANJÁ
Published sexta-feira, 16 julho, 2010 Afro-Afin , Mina 1 CommentMenina, abre a porteira
Deixa meu boi passar
Ele é bonito, ele é de fama
É boi Estrela do Oriente
Mais uma vez Nochê Hunjaí Emília de Toy Lissá preparou com esmero seu e maravilhoso terreiro para receber os convidados na noite de São João, para mais uma festividade tradicional da casa. E a roda já está formada e o tambor já roncou para mais um sonoro, colorido e espiritualizante ritual da vigorosa afro-religião Mina Jeje Nagô.
Tambor de Mina quando rufa lá nas matas
Ele é de Mina, ele é Nagô
Tambor de Mina quando rufa lá nas matas
Ele é de Mina, ele é Nagô
“Foi uma festa pra Xangô Irá e tocamos também pra Badé, pra família de Gama e pro povo da Romé. A Casa como é de Oxalá, Iemanjá e Xangô, todo ano nós tocamos para os vodunços da Casa. Faz 27 ano que nós inauguramos aqui e que fazemos essa festa para Xangô”, explica Mãe Emília.
À esquerda, Pai Bosco de Ogum, com seu ogan ao lado, velhos conhecidos deste bloguinho.
Como sempre ocorre nesse santificado espaço, estavam presentes vários convidados. Entre irmãos de santo de Mãe Emília, na foto abaixo está Pai Edmar, manauara que hoje reside no Rio de Janeiro. Além da respeitabilidade de Mãe Emília, ele destaca a sua atuação política-religiosa frente à FUCABEAM.
“Eu sou o babalorixá Edmar. Sou daqui de Manaus, mas estou já há alguns anos morando no Rio de Janeiro. Tenho casa aberta em Campo Grande, na zona Oeste do Rio. Eu estou retornando aqui pra encontrar Mãe Emília, e é uma felicidade ver que ela está à frente de uma federação e lutando para engrandecer a religião dentro do estado do Amazonas, e esta federação está tendo muito progresso porque ela é uma pessoa muito culta no santo, conhece demais. Nós também nos conhecemos há muito anos, nós somos amigos antigos, começamos juntos no santo, e estamos até agora. Isto pra mim é um prazer. Ela é uma das grandes conhecedoras da Mina no Amazonas, e acho que esta seja talvez a única casa completa da Mina por aqui. O barracão de Mãe Emília.”
Aê Dom João, cavaleiro do mar
Aê Dom João, desceu na guma
Veio só baiar, aê Dom João
E assim a festa prosseguia, com diversos voduns vindo receber as honras dos presentes e deitar suas bênçãos a todos os participantes. Na foto abaixo, Barão de Goré, na cabeça de Mãe Emília, canta diante do tambor.
Ai, ele veio na sua barca veleira
Mas ele é Marquês de Pombal
Ele é filho de Deus e Nossa Senhora
Mas ele é Marquês de Pombal
À esquerda, Pai Carlos de Xangô salda o terreiro com suas melodiosas rezas, seguido de Pai Edmar.
Eu vim salvar terreiro
Vim salvar os meus irmãos
Numa mão trago um letreiro
Na outra um sino salomão
Pai Edson de Codoense e Mãe Orny da Oxum Opará
Então era hora de virar pra encantaria, pois chegou o momento mais especial de toda noite de São João, quando o boizinho dos encantados, Estrela do Oriente, desde que veio lá do Maranhão, baixa no terreiro de Mãe Emília para dançar ao som das toadas de encantados e dos filhos da casa.
E o boizinho saiu do terreiro e foi para o campo aberto, embaixo do luar, lua cheia de São João, ouvir as toadas antigas e as improvisadas no momento: “Em seguida, viramos pra encantaria, que foi o Boi. Que boi? O Boi da família Cambinda, do povo de Légua, que vieram fazer a participação. Isso já é uma tradição. O boi veio, então fomos tirar as prosas de encantado, cantar as toadas pra poder o boi dançar. Fazem três anos que o boi chegou do Maranhão. Ano que vem nós vamos ensaiar ainda melhor ele para apresentar lá na Pça São Sebastião”, avisa Mãe Emília.
Já raiou, já raiou
Boi Estrela do Oriente
Ele é boi de fama
Ele veio raiar no Amazonas
Dona Suzana de Légua Boji (na cabeça de Mãe Orny)
À esquerda, seu Légua Boji Buá puxa a toada, e ao lado a atenciosa madrinha Dione abraça carinhosamente o boizinho afilhado.
“A Dione é a madrinha do Boi. A participação da Madrinha vem desde que o Boi chegou no Amazonas, vindo do Maranhão. Ela e o filho dela. Nós batizamos o Boi e ela foi a madrinha. O motivo especial é que o filho dela, o Marquinho, é que era o miolo do boi, que representava o boi no momento. Ano que vem o boi vai fugir e vai ficar na casa dela durante uns dias, depois é que a gente vai pegar ele”, mais uma vez é Mãe Emília quem explica.
E o Estrela do Oriente retornou ao salão, onde as toadas se mesclaram a rezas dos encantados.
Um retrato da linda Socorro de Xangô, uma das mais novas filhas de santo de Mãe Emília.
À esquerda, Tereza Légua (na cabeça de Flor). Ao lado, a senhora Pátria levada no embalo da alegria por Marquinhos e Dona Suzana.
Na boiada de encantado
Só tem boi marruá
Codoense como cantor
Tereza Légua como um terror
Não falei no Cole Maneiro
Porque ninguém se lembrou
E assim a festa continuou, fazendo ver toda a autenticidade das religiões afro-brasileiras, carregada de entes que, ao mesmo tempo que fazem lembrar ciclos da nossa história remota, estão presentes em efetividade religiosa. Uma festa magnífica para os olhos e o coração de todos aqueles que vivem a crença ou apreciam o ritual afro-religioso como verdadeira manifestação religiosa do povo brasileiro.
● CENTRO DOS TAMBORES DE MINA JEJO NAGÔ TOY LISSÁ/AGBÊ MANJÁ ●
– Mãe Emília de Toy Lissá –
Rua Pintassilgo, nº 100 — Cidade Nova II – Núcleo II (Manaus-AM)
E-mail: jessicahermes_morena@hotmail.com
Telefone: (92) 9995-3894
FESTA DE PRETO-VELHO NO TERREIRO DO PAI TOTA
Published quarta-feira, 23 junho, 2010 Afro-Afin , Mina , Religião , Sincretismo , Umbanda 30 CommentsVovô não quer casca de coco no terreiro
Que é pra não lembrar do tempo do cativeiro
Durante todo o mês de maio foram feitas obrigações no terreiro de Pai Tota como preparação da sagrada festa dos pretos-velhos que se realizou no primeiro sábado de junho. Pai Tota, que é conhecido há década dos moradores do Conjunto Ajuricaba por sua alegria e seu axé dentro dos cultos afro, falou-nos de sua trajetória como babalorixá desde o Recife e sobre a festa para os pretos-velhos da qual este bloguinho participou.
Abaixo, Mãe Orny ao lado de Pai Tota.
Eu sou neto de baluartes da religião, pois meus avós eram do santo, me criei dentro do santo e fiz minhas primeiras obrigações dentro do santo, ainda tinha 9 anos de idade, cultuando mais o caboco na época, e com 12 anos eu dei o primeiro toque, que por sinal foi pra Oxum, que eu sou filho de Oxum, sou primeiro Obá Sirimin, do terreiro de Mestre Val, que já foi, já está no andar de cima. Comecei a tomar conta de obrigações de filhos de santo com 15 anos. De lá pra cá a minha vida foi essa: trabalhar, fazer filho, procurando fazer tudo certo. Quando meu Pai tava vivo, quando eu recolhia um filho, eu chamava ele pra ele jogar e confirmar se realmente aquele filho estava pronto, se aquele ori pertencia àquele orixá que eu tinha dado. Eu sempre procurava fazer e procuro do jeito que ele me ensinou. Um baluarte hoje, um zelador de santo tem que conhecer a folha, tem que saber cantar pra folha, tem que saber cantar para um bori. Aqui em Manaus só teve uma coisa que eu encontrei e que eu não gostei foi essa história de que o filho não é feito, não quer cumprir os mandamentos de um pai de santo e abre casa, aí vai fazer trabalho errado. Quantas pessoas já não vieram aqui, assim como com a Mãe Emília, procurando auxílio porque fulano e sicrano fez trabalho errado.
Eu quis vir pra cá porque eu gostei aqui de Manaus. Eu deixei uma casa lá no Recife com 38 metros de comprimento por 14 de largura pra vir pra cá. Manaus é uma terra boa, uma terra que tem muitas folhas boas, e tem muitos filhos bons. Eu queria trazer dois filhos meus pra cá, pra viver aqui, então Manaus me segurou. Encontrei em Manaus amor, carinho e talvez uma vida até melhor. É uma terra em que a gente sente o axé, sente a força. Fiz agora aqui nessa casa 21 anos e acho que, graças a Deus, tenho uma vida muito boa. Inclusive os meus vizinhos são pessoas maravilhosas, porque aguentar uma casa de santo tem que ser bom, porque a zoada que se faz, seis tambores batendo. Eles aplaudem, porque gostam. Quando não tem, eles perguntam: “Cadê, não vai ter não é?” Aqui, vai ter a festa do seu Zé Pilintra agora, começa sexta-feira, termina segunda, batendo. Os vizinhos às vezes ainda vem ajudar a enfeitar a casa.
Acima, a querida e respeitada presidenta da FUCABEAM, Mãe Emília de Toy e Lissá, juntamente com Flor de Navê e a linda Jéssica de Iemanjá. Completando, o companheiro Luiz Costa, presidente do AMONAM (Associação do Movimento Orgulho Negro do Estado do Amazonas).
A casa é Nagô, mas cultua o caboco. Toda casa Nagô cultua o caboco. Por quê? Que é o pro caboco poder zelar o santo, porque é o caboco que traz o médium, traz o cliente, que pra jogar, falar com uma entidade. E aquele dinheiro que fica da contribuição daquilo que ele está fazendo, a gente usa pra zelar a casa e fazer as obrigações.
Toda ano a gente faz a festa do Preto Velho Pai Joaquim. A gente começa no começo de maio com o trabalho do cachimbo, o verdadeiro catimbó. A gente trabalha 29 dias no catimbó, aí as pessoas que querem fazer pedido pra trabalho, pra saúde. Todos os dias nós temos duas de trabalho com o cachimbo. O cachimbo é o poder da mente. No dia da festa a gente não usa cachimbo, porque tem a comida, muita comida, e já se fumou demais nos 29 dias de trabalho. Todo ano essa festa é uma tradição aqui dentro da casa.
A gente oferece para os pretos-velhos todas as comidas que eles usavam. Por que os pretos tinham força dentro do lugar onde eles estavam? Porque eles cultuavam o santo. Quem libertou Pai Joaquim, Pai João, Pai José de Angola? Essa história é longa. Quando eles estavam na senzala, eles cultuavam o santo ali dentro escondido, que na época chamava-se lapinha. Quando o Barão vinha, eles escondiam os assentamentos dos santos e botavam as imagens, Nossa Senhora da Conceição, São Jorge. Eles estavam cantando em dialeto africano pro santo e os brancos não sabiam porque não entendiam. Quando o barão saía, levantava de novo o santo que estava escondido e continuava a tocar. Eles não podiam mostrar pra eles por quê? Porque eles condenavam, na época eles diziam que era bruxaria.
Um dia, a filha do fazendeiro adoeceu, ficou coberta de chagas. Pra que servia as pretas? Só pra amamentar os brancos. Aí ele vai lá pra ver a menina doente, e ele disse que curava a menina. O velho disse pra ele: “Se você não curar minha filha você morre.” A menina tava quase morta, porque naquele tempo você pegava catapora, sarampo, você morria, não tinha cura. Resultado: o preto foi lá e disse que curava. Levou a menina lá pra dentro da senzala, pra um lugar que se chama lubaça, e ele viu que Obaluaê respondeu, que é o deus da peste, o deus das chagas, Omolu. Ele foi e se comprometeu. A baronesa chamou o marido e disse: “Marido, a nossa filha já está a bem dizer morta. Por que não deixa ele tentar?” O velho disse afirmou novamente que se ele não conseguisse ele morria. Ele perguntou: “Tudo que eu precisar o senhor me dá?” O velho disse: “Dô.” Aí o preto mandou tirar toda a roupa da menina. Deitou ela numa esteira, cantou o afrexô e levaram a menina lá pra senzala. Lá ela passou 21 dias. Tudo o que ele precisou ele pediu. Então era pato, era galinha, era boi. Tudo entrava e não saía. Então, passados os 21 dias, eles mandaram chamar o padre e outras pessoas para ver a saída da menina dali de dentro. O pai não sabia que quem ia sair de lá era o santo. Quando cantaram, o velho ficou esperando que a filha saísse. Então o preto chegou e disse: “Sua filha tá aí.” E quando tirou aquelas palhas que são as vestes de Obaluaê, o velho viu que a menina não tinha uma chaga. Só tava com a cabecinha raspada, porque tinha raspado o santo. E foi então que ficou liberado pra zelar o santo dentro da senzala.
O casal afinado Vinicus e Bianca, presidenta da Afin, também aproveitaram para degustar as maravilhosas e abençoadas comidas dos pretos-velhos.
Por que os pretos têm as forças? Umbora matar um boi, pé, bucho, cabeça, vísceras, tudo ia pra senzala dos pretos, e os brancos comiam só a carne. Não sabiam que ali é que estava o que fortificava as pessoas. É por isso que os pretos eram fortes, porque onde tá a força dos boi é nos músculos, não é na carne. E hoje a gente faz tudo o que eles comiam na época, e que hoje estão nos melhores restaurantes, e a gente faz pra festejar eles e também para a gente comer. Toda aquela comida que você viu ali, a feijoada, o mocotó, tudo era comida dos pretos-velhos. Além da feijoada, tinha vatapá, tinha porco assado, guisado, galinha à cabidela, assada, galinha com salpicão, tinha arroz doce, tinha mungunzá, tinha tapioca, cocada, bolos, tinha frutas, farofas, bebidas, tinha tudo, não faltou nada. Antes de distribuir a comida pro pessoal, já tá tudo lá no canto separado para eles, tudo guardadinho, oferecido a eles. De tudo que tem ali a gente tira um bocado pra eles.
Filha de Tia Xica, que nasceu em Minas e se criou em Salvador, tendo completados 87 anos, com mais de 50 anos de santo.
Como eu falei, eu tinha 8 anos quando seu José veio pela primeira vez em mim. Aí era esquisito, porque uma entidade baixando num menino de 8 anos, pedindo bebida, não podia dá até por causa da polícia. Mas o seu José disse: “Eu vou criar ele.” Foi o seu José que cortou o meu umbigo quando eu nasci. Eu nasci no meio de um terreiro, no itô da casa. Ali minha mãe não aguentou, deitou em cima de uma esteira. E seu José veio, junto com Mestre Carlos, seu Zé Pilintra de Santaninguê. Meu umbigo foi cortado com uma faca de mesa. O primeiro leite que eu tomei foi da lata de leite comprada por um cliente de seu José que comprou pra mim. Quando eu tava com 8 dias de nascido, minha mãe ganhou uma vaca de presente já dando leite, pra poder me sustentar. Foi Zé Pilintra que me criou e até hoje ele me cria. Tudo que eu peço a seu José ele me dá. Eu não vou pedir fortuna nem dinheiro, mas seu José é um grande juremeiro, em todos os meus filhos aqui ele bota a mão. eu só tenho a dizer que seu José é maravilhoso e agradecer tudo o que ele faz por mim.
Faço um chamado a todos os babalorixás a se levantarem contra esse pessoal da Igreja Universal, porque eu vi uma coisa muito feia. Eu fui fazer uma oferenda numa encruzilhada pra seu Tranca Rua, eu cheguei eles tavam quebrando tudo lá. Quando eu cheguei, eles correram. Mas os pais de santo precisam se levantar, porque les crescem às custas da gente. Peço até para meus companheiros de religião que não levem mais nome, endereço pra encruzilhada, porque o orixá não lê não, mas eles pegam e levam pra igreja e ficam lá lendo o nome das pessoas. Então, nós precisamos nos levantar contra isso, porque nós somos protegidos pela Constituição, nós temos nossa segurança perante a Lei. O que eu peço a todos os pais de santo é que façam bonito, que façam certo e vamos pra frente.
●●● PAI TOTA DE OXUM ●●●
Rua B-1, nº 598 — Conj. Ajuricaba (Manaus-AM)
Telefone: (92) 3654-1301 / 9114-9454
SEU ZÉ PILINTRA NO TERREIRO DE MÃE ORNY
Published quarta-feira, 26 maio, 2010 Afro-Afin , Mina , Religião , Sincretismo , Umbanda 18 CommentsQuem tá batendo na porta?
Quem nessa porta bateu?
É Jesus sacramentado
Que Zé Pilintra sou eu…
Clique nas imagens para ampliá-las.
Essa festa que trazemos hoje a este bloguinho na verdade ocorreu no final do mês de abril, pelas festividades referentes às comemorações de São Jorge, a qual foi realizada no animado e abençoado terreiro de Mãe Orny da Oxum, mãe de santo conhecida de todos, pois é filha de Mãe Emília e por diversas vezes já a vimos nas festas desta conhecida e respeitada presidente da Fucabeam.
Ai, eu nasci da meia-noite
Minha mãe jogou no mar
Ai, eu vim pra macumba
Deixa a macumba girar
E enquanto os convidados iam chegando, os abatazeiros tocavam com vontade o tambor, os pontos, as rezas e as danças enchiam o terreiro de toda a alegria e beleza de se festejar a verdadeira religião afro no terreiro de Mãe Orny.
Baixou então seu Zé Pilintra, com toda a sua graça, seu humor e sua sabedoria. Veio para receber as salvas de todos os presentes e a eles distribuir suas bênçãos, suas curas e seus maravilhosos conselhos de mestre-doutor.
Sou Caboco Roxo
Eu sou guerreiro
Guerreiro do Maranhão
Meu arco eu trago na cinta
E a minha taquara na mão
E outros cabocos também vieram para essa comunhão e também honraram os tambores e receberam de todos os convidados e filhos da casa o reconhecimento merecido. Além do Caboco Roxo (acima), vieram também, entre outros, Seu Zé Raimundo e Seu Jaltino, respectivamente, assim como Dona Jurema mais abaixo.
Eu sou caboco que moro
No morro de areia
Meu pai é rei da bandeira
Eu me chamo Jaltino
E assim seguiu o maravilhoso tambor pela madrugada a dentro, onde todos os da casa e todos os convidados degustaram a deliciosa comida em homenagem a São Jorge, enquanto a lua pairava no céu de verão, e assim prosseguiu até o raiar do dia. Tudo em comunhão, em paz, alegria, felicidade, com todo o axé do terreiro de Mãe Orny de Oxum, assim como todos de sua casa!
A Jurema é minha madrinha
Jesus é meu protetor
A Jurema é pau sagrado
Para todo curador
Ó céu azul, ó céu azul
É com Deus e Nossa Senhora
Que haveremos de vencer
Seu Zé Pilintra é mestre da Jurema
●●● M ÃE ORNY DE OXUM ●●●>
Rua Milton Mourão, nº 100 — São Francisco (Manaus-AM)
Telefone: (92) 3664-4443
SAUDAÇÕES MANAUENSES A IEMANJÁ PELO NOVO ANO
Published sexta-feira, 1 janeiro, 2010 Afro-Afin , Candomblé , Mina , Sincretismo , Umbanda 14 CommentsJoguei minha barca n’água
Eu quero ver navegar
Peço licença primeiro
A Nossa Mãe Iemanjá
Oh, Iemanjá! Oh, Iemanjá!
Quem manda nas ondas d’água
É Iemanjá…
Todos os anos os adeptos das religiões de matrizes africanas, em manifestações individuais ou acompanhados de seu ilê, assim como diversos populares em suas históricas crenças tradicionais sincréticas, vão à Ponta Negra para deitar barquinhas e demais oferendas à mãe de todos os orixás. Iemanjá. Odoyá!
Acima, Mãe Sandra de Iemanjá e Mãe Dóris de Oxum e seus filhos numa bonita homenagem à rainha das águas. As mães deixaram seus desejos para todas as pessoas de Manô:
“Iemanjá é a mãe de todas as cabeças, mãe de todos os orixás, mãe dos 16 santos, e na passagem do ano a gente costuma fazer oferenda pra ela com milho branco, arroz, pescada, camarão, azeite, mel. E a gente espera o quê? Prosperidade, fartura, saúde, porque ela é mãe de todos os orixás e mãe senhora dos filhos peixes. Eu sou filha de Alexandre de Iemanjá, do bairro de São José e desejo para o meu pai e para todos os meus irmãos, e para todos os irmãos de todas as casas muitas felicidades, muito axé para todos.” (Mãe Sandra de Iemanjá)
“No momento eu estou na minha casa e não tenho nenhum zelador de santo, mas que Iemanjá nos traga fartura, dinheiro, amor, nos traga muita saúde no ano de 2010.” (Mãe Dóris de Oxum)
Como as religiões afro, assim como as manifestações populares autênticas, são livres de preconceitos e discriminações, a Moçada Mundo Gay comparece para agradecer às bençãos recebidas e falar sobre seus desejos para a Grande Mãe de todos, que não faz distinção de raça, sexo, religião, etc. E olha as lindas moças na areia da praia!
“Esse ano foi bom. E que esse ano que chega seja cada vez melhor para nós, que sejamos cada vez mais belas! Que o povo tenha sempre mais respeito por nós! Que tenha muita fartura, muita bebida, muito dinheiro e muito homem, que sem isso não somos felizes. Para todas nós, as lindas monas de Manaus, felicidades para nós e para nossas famílias, para nossos namorados, nossos amores… Beijos pra todos!”
Mãe Sandra, que veio lá do Núcleo 15 da Cidade Nova, com seu belo Congá Tenda Cigana, chegou e acompanhamos sua magnífica oferenda, que estudou (no sentido de “prática”) várias religiões e cruza elementos comuns entre elas e que nos envolveu com sua fala ligeira, lúcidez e alegria…
“Eu tenho meu próprio santo, eu tenho meu próprio congá. Eu trabalho. Eu vim da quimbanda, umbanda, candomblé, espiritismo e a última linha anjeologia. Eu cruzo Iemanjá com o símbolos dos arcanjos. O ano de 2010 vai ser Iemanjá, Oxum e Iansã, mas a principal linha vai ser Oxumaré. Não é questão de o ano ser bom, é continuação deste para o outro; o bom vai das atitudes que a gente quer, vencer ou não vencer. Então vai muito do negativo e do positivo das pessoas. Não existe magia sem um Sim ou um Não, o Talvez é as dúvidas. O outro diz: “Ah!, vai ser um ano bom, vai acontecer isso.” Não é bem assim. Acontece se o homem quiser, essa é que é a verdade. Não é a magia, a magia se faz pra ajudar, mas você com as suas virtudes é que consegue seus objetivos.
É isso que eu penso, é isso que eu acho, nós oramos a Deus, aos arcanjos de Deus e todos como nós cultuamos Iemanjá, Iansã, Oxum, como Nossa Senhora, que vem na minha casa, e Ogum, e o próprio Exu pra demandar e dispersar todos os males da vida. Não basta eu dizer que vou fazer um trabalho que vai melhorar minha vida daqui pra outro dia, não existe isso, existe a tua atitude de tu querer, é essa que é a verdade. Então as pessoas misturam muito. Ah!, eu vou conseguir isso, vou conseguir aquilo, vou amarrar amor, é tudo besteira porque amor não se amarra, amor se tem. A magia pode ser pra um casal pra iluminar através dum anjo, através dum guardião, dum mentor, tudo bem, mas dizer eu vou amarrar, eu vou prender, ninguém prende ninguém, o amor é livre.
Então eu vou sempre pelos quatro elementos: ar, terra, fogo e aguá. Mas o primordial é o amor que é o quinto elemento. Então esse besteirol todo, eu não vou muito assim pelas linhas afro só, porque, aqui pra nós, às vezes eu acho que eles tão muito atrasados no mental, tá entendendo? Eu classifico assim: os simplórios, os simples, os ricos e os milionários. O simples faz tudo pra buscar o melhor, o rico já é rico de si e de memória, porque hoje não adianta tu fazer uma faculdade porque hoje em dia tá banal. A melhor faculdade é a da vida, a escola da vida, como diz Ogum, “nem tudo o que reluz é ouro”. A vida é uma escola onde as lições tão muito caras, então tu aprende é no dia-a-dia, na verdade. Vamos dizer, eu vejo tu triste: “Ah!, eu tô mais rico” ou “tô mais ferrado”. Quer ser o mais ferrado e não é, porque tem muitas outras pessoas que não tem o de comer porque não buscam, porque tem pessoas que não gostam de buscar, gostam de esperar que venha até elas. Porque pra tudo se dá um jeito na vida, só não pra morte.”
No percurso pela Prainha, encontramos ainda manifestações familiares particulares muito bonitas que não quiseram falar sobre os motivos pessoais que levam às oferendas. No geral, estão os agradecimentos pelas graças recebidas, assim como os desejos de felicidades a todos nas novas águas que chegam…
Quem também veio trazer sua alegria a todos foi o caboco Zé Raimundo, na cabeça de Pai José dos Santos, lá do São Francisco, que deixou para todos sua graça de prosperidade na força dos orixás para todos…
“O ano foi maravilhoso, graças a Deus, com muita prosperidade para o meu filho, seu José, e esses filhos que estão hoje presente aqui comigo , fazendo essa homenagem muito bonita, estão atrás de buscar a paz, prosperidade, saúde e muitas mudanças de bom na vida deles. E hoje eu estou dando o meu axé e as minhas forças para cada um desses filhos que precisam. E pra todas as pessoas da cidade, pela afirmação que nós fizemos, aquelas pessoas que puderam vim e que não vieram nós tamos dando aquela força, axé e a proteção para o ano que entra, que nele haja tudo de bom, como deve ser em cada ano novo que entra.”
Um filho de santo do Terreiro de Umbanda Anastácio Neves, localizado atrás do Cemitério São João Batista, no Centro da cidade, na cabeça de Dona Mariana, deixou seu axé.
“Eu vou desejar um 2010 de fartura, felicidade, força, alegria. Que o ano de 2010 seja só de amor, porque o ano que passou foi um pouco cheio de turbulência, mas Mariana, na força e tranquilidade das águas, deseja para o povo manauense um feliz 2010, de abundância, de amor, de tranquilidade. Que todos possam realizar seus sonhos ou consolidá-los. Que todos fiquem na paz.
Finalmente chegamos ao nosso destino de todos os anos: a conversa com o caboco Sibamba, que, inconfundível na cabeça de Pai Geovano, com seu humor, sua alegria e energia, nos deixa suas impressões da vida pessoal do povo à política local, brasileira e mundial. A quem diga que é o caboco mais politizados destas terras, e por isso tal a proximidade com este bloguinho intempestivo.
Então, numa continuação da conversa do ano anterior, prosseguimos nessas temáticas e outras.
Eu sou é invocado, seu menino. Eu sou um caboco, eu não sou uma porcaria, não sou o que vocês tão acostumado a ouvir por aí e nem ver por aí. Eu sou um caboco, eu sou cretino e ordinário, quando eu falo eu falo mermo. Quando eu não falo, não quero falar não, vá pra porra. Pra eu, eu sou que nem as águas, se sopra o vento eu fico raivoso, se num sopra eu sou mansinho que só um cordeiro. Isso afeta o ser humano, não eu que sou um espírito.
Meu filho já jogou os búzio, já disse que é o Oxalá que vai reger o ano. Num sou eu, porque eu num jogo nem pedra na cruz. É meu fio que disse que Oxalá véio [Oxalufã] primeiro, na metade do ano Oxalá novo [Oxaguiã] e no finar do ano é mamãe Iemanjá que vai pegar. Então o ano é feito de muita paz, revolta, enchentes grandes e secura demais. Muito pior do que esse ano. Você vai ver.
Os políticos – isso aí vai ter um pau de guerra! Tu num viu nada, minino? Tu nunca viu piranha comer gente, viu? Pois é, tu vai ver esse ano. É, seu minino! Porque antes, antes dos antes. E o moço que voltou agora, esse moço é cretino, já tá ficando ‘probre’, voltou agora, começou a tirar devagarinho, só que os outro tão vendo, não são mais besta não. Na verdade o outro besta véio, careca, fio de uma puta, que entregou pra todo mundo governar por ele, tomou no rabo, foi passado pra trás. O olhe que eu não sou de politicage não, vice? Eu só digo a verdade. E o sinhô é a sabedoria, o sinhô tem a consciência boa. Pro povo vai ser bom, porque o povo vai ter que acordar pra num tomar no rabo.
As leis mudaro tudo e foi uma baitolage toda, foi muito bom para os bochola e só vai melhorar. Mas deixa eu buscar na minha burrice e tu sabe que burrice de bêbado é a pior coisa que tem, ninguém leva a crer. Pras mulher não é dessa vez, mas vai ter, vai ter aqui no Brasil vai ter a presidenta que todo mundo quer. Vai ter. Vai ser fulera, vai ser vagabunda, vai ser da gota serena e vice mais. Tu é doido, macho! Tu nunca viu mudança não, tu já viu frescura, e não mudança. E ela vai vim, vai vim e vai fazer.
Que o ano de 2010 seja um ano de consciência, de prosperidade, que o grande Deus do grande céu abençoe todo esse povo dessa terra, povo cretino, que tá precisando de misericórdia e que não se toca. Esse véio Sibamba pede, por misericórdia. Eu dou mais meus 300 anos nessa terra se o grande Deus tiver misericórdia de um dia desse povo. Que este ano do 2010 seja um ano com menas agressão e violência e seja um ano de mais alegria, mais tranquilidade pra este povo amazonense, não só pro povo amazonense, mas pro Brasil todo que merece e mais pro meu Ceará que tá precisando de chuvas, porque aqui tem fartura de chuva e no meu Ceará tem miséria de chuva. Esse, meu bom gradar. Que assim seja!
Dona Mariana, agora na cabeça de Mãe Valkíria, em qual congá já fomos a sua festa e lá conversamos com essa caboca que está sempre alegre e graciosa, sendo uma entidade das águas, deixou sua mensagem maravilhosa.
Pros pecadores eu peço assim que a minha mãe Iemanjá abençoe assim a todos, que ilumine a todos, que dê muitos anos de vida, que dê muita saúde e muita prosperidade, que ilumine os caminhos, que cada ano que se passa seja melhor. Que esse ano que vem lhe dê muito axé, muita prosperidade pra todos. Eu peço a minha mãe Iemanjá e a Oxalá também que abençoe pelas horas que são, pelas oferendas que nós estamos fazendo aqui nas águas e pedindo que Deus abençoe as oferendas do povo, dos pecadores, trazendo muita paz neste mundo do pecado. Eu desejo paz e muita prosperidade e axé, axé e axé.
UMA NOTA APENAS:
Estas e muitas outras manifestações de diversos congás e particulares, as que vimos e que não pudemos participar, com certeza foram magníficas, e não teriam como não ser quando o povo exerce seu direito à crença e a seus costumes autênticos de forma livre e sem discriminação. Mas não podemos deixar de dizer que houve discriminação pelo poder público. A descida para a Prainha – parte da Ponta Negra onde todo final de ano adeptos da religião afro e pessoas que cultuam credos sincréticos vão para entregar suas oferendas nas águas – tem acesso muito perigoso. No terreno íngreme, são alguns populares que, em sua benevolência, enfiam algumas estacas e fazem alguns degraus na terra para as pessoas descerem. Há quem diga que é por esse e outros motivos que os políticos da cidade estão sofrendo na pele o peso de seus crimes, apesar de todo ano eleitoral – como o ano que se inicia – quase na totalidade os candidatos procurarem os terreiros, inclusive os pastores. Claro que isso se dá não só pela crença, mas principalmente pelo dividendo eleitoral; pois este bloguinho, que é o maior registro jornalístico na cidade de Manaus, conhece cerca de 70 terreiros, mas segundo a FUCABEAM existem mais de 2 mil, fora manifestações individuais não catalogáveis.
Independente disso, todo acesso à Ponta Negra, já que ela é tão utilizada pelos marketings governamentais, deveria ser preparado satisfatoriamente com responsabilidade, para não colocar em risco a saúde dos cidadãos.
Mas os governos antidemocráticos, baseados nas supertições dos seu mandatários, nada podem contra os verdadeiros cabocos e orixás, por isso tudo foi maravilhoso, apesar dos des-governos…
Ê balanceia, balanceia, balanceia
Balanceia, balanceia
Eu quero ver balancear
SEU ZÉ PELINTRA NO TERREIRO DE PAI CARLOS DE XANGÔ
Published segunda-feira, 31 agosto, 2009 Afro-Afin , Mina , Religião , Sincretismo 45 CommentsAê Palmeirão dos Índios
Aê Bouqueirão de Arara
Sou eu José Pilintra de Pernambuco
Boqueirão de Arara
Sou eu José Pilintra de Pernambuco
Palmeirão de Arara
Que festa animada foi a festa de seu Zé Pelintra no terreiro de Pai Carlos de Xangô, ocorrida no Novo Israel II. O simples estava cheio de filhos de Pai Carlos, de convidados de outras casas e de pessoas que simpatizam com toda a beleza e alegria das religiões afro.
E logo veio seu Exu Marabô trazendo um falo pendurado no pescoço, e trazendo para todos com ele uma mensagem de amor, fertilidade, prosperidade e sorte, como nos explicou a bela cambona Diane de Oxum (à direita na foto abaixo).
Mara, Mara, Mara, é Marabô
Exu é pequenininho
Mas Exu é do amor
Exu é pequenininho
Mas é bom trabalhador
É Marabôôô…
Eu quero que todo mundo fique acomodadinho. Façam de conta que você estão na casa de vocês. Que minha casa seja a casa de vocês, que casa de santo é a casa da prosperidade. É a casa da alegria. Que a casa bata na porta de vocês, que traga muita fartura, muito ouro. O dinheiro que não falte no bolso de vocês, nos cofres. Porque o meu está guardado, bem guardadinho. Então, sorte para todos que estão aqui! Sorte e Alegria! Que os inimigos de vocês não possam mais do que vocês! E a tristeza vai caminhar…
Chegaram então as pombogiras com seus maravilhosos cantos, suas vigorosas danças e suas gargalhadas. Como diz a entidade que se chama Exu Maria Quitéria do Cruzeiro das Almas (ao centro na foto abaixo), entidade que acompanha Pai Luiz de Iansã há 24 anos: “Exu é alegria! Exu é prosperidade! Exu é abertura de caminhos!”
Cai chuva no meu terreiro
Cai chuva no meu quintal
No meio da encruzilhada
Maria Quitéria, uma gargalhada
Quando a palmeira pendia
Quando a palmeira pendia
Um olho d’água rolava
No meio da ventania
Eu perguntei a Lúcifer
Que iluminava esse dia
Abriu as portas do inferno
Saiu Maria Padilha
No meio da festa, um acontecimento inesperado: caiu um dos tambores. Dada a importância maior dos tambores dentro de um terreiro, acompanhamos didaticamente o que se seguiu. Imediatamente seu Marabô ordenou total silêncio no terreiro, pediu uma espada (pana) branca, uma taça com água e uma vela acesa para o ritual de levantar o tambor, e firmou um cântico enquanto levantava.
Caminhou, caminhou
E a tristeza caminhou
Marabô veio girar
E a tristeza caminhou
Passou-se então à distribuição da apimentada, saborosíssima farofa de Exu. Todos fizeram fila para receber das mãos de seu Marabô a abençoada farofa e junto com ela as bênçãos dos santos.
Farofê, farofá,
Farofa amarela que Exu vai dar
Farofê, farofá,
Farofa amarela que Exu vai dar
Antes de ir seu Marabô colocou o chapéu no meio do terreiro para quem quisesse colocasse uma moeda, algum dinheiro no chapéu e fizesse o seu pedido para o Exu do Amor.
No reinado de meu pai
O ouro é moeda falsa
Quem tem, tem-tem-tem
Quem não tem
É quem quer dá
E eis que chegou o dono da festa. Uma das mais conhecidas e respeitadas entidades das religiões afro: trazido ao terreiro por Pai Lala, seu Zé Pelintra. Conversamos com o mestre da Jurema e deitamos abaixo essa conversa, entremeada com imagens e cantos da magnífica festa.
São 35 anos que eu trabalho na cabeça do seu Carlos, e hoje é um dia de alegria pra mim porque eu sou um caboco velho da Jurema, venho como mestre da Jurema. Então digo para o povo que estude o espiritismo, porque o espiritismo é como uma escola: o yaô entra para iniciar o santo e segue… Se os pais souberem o que estão fazendo, a religião vai ser sempre uma coisa muito linda. Todas as religiões são muito bonitas, e a nossa é muito bonita se levada a sério. O santo é uma coisa maravilhosa.
Eu me criei em 1974 na cabeça dele, no primeiro barracão, na Praça 14, na casa de Pena de Arara, que era casa de Mãe Francisca. Nessa casa, completou agora no dia 29 de junho passado 23 anos de casa aberta, que foi comemorado pelo santo da casa, que é Badé, que no Candomblé é chamado de Xagô. Nós somos da Mina Jejo Nagô, nós somos mineiros aqui. Badé que reina nesse terreiro. A casa aqui é de Badé com Oxum. Hoje, a gente tem uma história, um projeto onde a gente pode falar assim: “É lindo o espiritismo!”
Eu tenho muitas vitórias na cabeça de seu Carlos, com pessoas que eu já trabalhei, pessoas aleijadas, pessoas doentes que às vezes até a medicina não consegue entender, porque eu sou um doutor. Então, coisas no passado, que a medicina não conseguia dizer, não conseguia fazer, e como eu sou um espírito, nós podemos fazer um milagre através de Deus. A pessoa quando chega com fé leva toda a esperança, leva toda a alegria, e toda a tristeza vai embora. Às vezes um doente chega dentro da casa da gente doente, e a gente faz uma reza simples, mas o poder de Deus é maior.
Lá se vem do outro mundo
Com grande saber profundo
Ele vem do outro mundo
Lá vem Zé, lá vem Zé lá da Jurema
Lá vem Zé, lá vem Zé do Juremar…
E quem é Zé? Saravá, saravá…
E quem é Zé? Saravá, saravá…
A gente faz todo tipo de ebó. No caso, o ebó pro amor, quando um homem tá sem uma mulher, uma mulher sem um homem, aí a gente ajuda. Amor é uma coisa que Deus deixou no mundo, não faz mal a ninguém. A gente procura unir as pessoas, e não desunir, porque o amor traz prosperidade, porque o amor. Aqui ninguém mata, ninguém esfola, nada desse tipo de coisa, a gente só faz trabalho pra trazer o amor, pra ajudar quando a pessoa está desempregada, tá doente. A religião não é muita das coisas que muita gente fala, muita gente discrimina. Mas me disseram que formaram uma lei que é correta, que ninguém pode falar mal assim da religião de ninguém, mas ainda existem pessoas que comentam o que não deve ser comentado.
Eu digo assim: “Acima de Deus não há, abaixo de Deus não tem, acima de Deus, dos astros, nós somos mensageiros do bem.” Eu sou conhecido mundialmente. Nos quatro cantos do mundo, em toda parte do mundo nós temos uma forma de trabalho, porque a humanidade, em toda a parte, precisa da gente. O povo até vai em outras igrejas, mas sempre ele tá junto com a gente, porque, na saúde ou na tristeza, o povo procura muito a gente, pois quando ele chega dentro da nossa religião ele consegue tudo que buscava, consegue vencer muito.
Ele se chama José Pelintra
Nego do chapéu derramado
Quem mexer com Zé Pelintra
Ou tá doido ou tá danado
Ou tá doido ou tá danado
O povo tem que educar bem os sus filhos, para que ele saiba o tipo de religião que pratica. Muitas vezes o povo diz assim: “Não vai pra macumba, menino, que é coisa da parte do Diabo.” Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Se fosse, não teria tanta gente com a gente em nossa casa. O Diabo leva muita culpa, e ele está em cima das pessoas mesmo, não é a gente não. A gente não pode ser responsável pelo que as pessoas fazem. Às vezes a gente tá dentro do barracão, chega o cicrano, quer pagar, quer matar. A gente aconselha: “Não faça isso. Tenha amor no coração pelo próximo, você tem tanta coisa boa pra fazer nesse mundo.” Eu, Zé Pelintra, mestre da Jurema, gosto de trabalhar para as pessoas que necessitam do meu trabalho. Bateu na porta da nossa casa, eu só não posso é tirar da morte, porque da morte só Deus. Mas tudo nesse mundo eu já fiz, já levantei aleijado, já tirei gente do hospício, do hospital desenganado dos médicos, não somente em cima da cabeça desse bablaô, mas em cima das cabeças de muitos médiuns bons por aí.
Eu ainda chamo o seu Carlos de “meu menino”. Ele já vai fazer 50 anos, eu comecei a trabalhar na cabeça dele ele tava com 13 anos de idade. Ele sempre foi uma pessoa muito correta e gosta das coisas certas. Tudo que ele faz ele pede a mim, ou então eu faço na cabeça dele. Ele é muito dedicado ao santo. Os pais e as mães que bem souber, eduque seus filhos no caminho certo.
Seu Zé passou então para a linha de malandro, e pela alta madrugada a festa continuou no pique do tambor e do repique.
Caboco bom, caboco bom
Caboco bom é o que sabe trabalhar
Caboco bom é o que sobe no coqueiro
Tira o coco, bebe a água
E deixa o coco no lugar
Segura o coco, Margarida
Não deixa o coco cair
E assim nesse ritmo o sol raiou e a festa continuou, agora já numa roda de pagode, que começou com Adoniran Barbosa e passou por vários mestres do samba brasileiro. Enquanto a cerveja não parava de cair, o ogan Irã segurava na batida, e os convidados e até entidades presentes caíram no samba no pé até não mais parar…
Na Baixa do Sapateiro
Formou-se uma confusão
Era o malandro Zé Pelintra
Sambando de pé no chão
●●● PAI CARLOS DE XANGÔ ●●●
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Telefones: (92) 3636-5770 / 9161-8342 / 8119-4415
OBRIGAÇÕES NO CENTRO DOS TAMBORES DE MINA JEJE NAGÔ TOY LISSÁ/AGBÊ MANJÁ
Published terça-feira, 25 agosto, 2009 Afro-Afin , Mina , Religião , Sincretismo 15 CommentsEssa foi uma grande e maravilhosa festa no terreiro de Nochê Hunjaí Emília de Toy Lissá, ocorrida nos dias 31 de julho e 01 e 02 de agosto passados, nos quais se comemorava o aniversário do Centro dos Tambores de Mina Jeje Nagô Toy Lissá/Agbê Manjá e sendo também realizadas as obrigações de dois filhos da casa, Pai Dinho (Júlio César) de Azaá Ká e Floriza de Navé.
E quem nos fala sobre os preparativos anteriores e os significados desses três dias de festa é sua maior responsável, Mãe Emília de Toy Lissá:
Faz 26 anos que eu vim da Praça 14 pra cá, 26 anos que esse terreiro foi inaugurado aqui. E teve também a obrigação de dois filhos, meu filho carnal, o Dinho (Júlio César) de Azaá Ká, que estava atrasada, e a Floriza, que está se preparando pra noviça, está iniciando, dando as primeiras obrigações. Mesmo ela sendo noviça, ela já tinha várias atividades, já era oborizada. E dentro da Fucabeam ela é meu braço direito, é como uma guia da casa. O Dinho é meu filho carnal, e é a segunda pessoa dentro desse terreiro. Ele está pagando a obrigação dele de anos e anos que estava atrasada. A primeira obrigação ele deu em São Luís do maranhão, com Jorge Itaci de Oliveira. Ano que vem ele dá outra obrigação, aí terminam os graus dele.
Antes dos três dias de festa pública houve sete dias de preparação interna, só com os da casa. São as oferendas, são as obrigações que se faz. Durante estes sete dias, é só pra fazer isso dentro de casa. Tem que fazer antes de começar as festas maiores. Depois se toca três dias. No primeiro dia toca-se pra Lissá, que é Oxalá; no segundo dia é pros voduns; no terceiro dia, pros encantados. Quando vem pais de santo de outras nações, nesse último dia é liberado pra eles cantarem pras nações deles.
Veio muita gente, irmãos de santo do Maranhão, de Belém, sobrinhos, vieram participar da festa. Pai Brasil, que é de Lissá também, filho também de Dom Jorge, como eu. Pretendo ir no Pará conhecer a casa dele. Pai Miguel, irmão de santo, que conheço há muitos anos. Ele vem toda festa de aniversário do terreiro, desde que inauguramos, ele sempre vem, sempre ele está presente.
Pai Brasil de Lissá, da casa Mawukwê (“O Sopro da Vida”), de Belém-PA, irmão de Mina de Mãe Emília também estava presente e nos falou do que viu e sentiu no terreiro de sua irmã:
A Mãe Emília é do vodun Lissá, da família de Kevê Ossô, e, por coincidência, eu também sou untó e vodunon desse mesmo vodun. Então, a energia já soma duas vezes, não só por ela ser uma irmã minha, de descendência de uma mesma casa, que é a Casa da Fé em Deus, de São Luís, no Maranhão, como do próprio vodun que a gente carrega, que é o mesmo vodun. Logicamente que existem em cada região algumas diferenciações no toque, nas cantorias, devido ao próprio linguajar e tudo. Mas a essência, o contexto de uma maneira geral, na forma ritualística que aconteceu o toque para o vodun é o que acontece no meu axé, é o que acontece no axé do meu pai de santo, e aqui eu também tive a alegria e o prazer de ver um Tambor de Mina, ver um orixá, que foi a Oxum, ver o vodun Azaá Ká, ter o meu irmão comigo, Pai Miguel, que veio de São Luís pra comandar esse tambor.
Enfim, eu acho que isso que o Tambor de Mina está precisando, é isso que a afro-religiosidade está precisando, é de unir. Se não existir união, os evangélicos cada vez mais vão se fortificando, cada vez mais vão se unindo, e nós afro-religiosos brigando até por um poder – acredito que cada um tem o seu axé, cada um tem sua força -, então, em cima dessas coisas, em cima dessa fala é que eu acredito que há necessidade de unir. Tendo união, vai ter paz, e, tendo paz, com certeza o Tambor de Mina, não só no Maranhão, como também no Pará, como também no Amazonas, só vai evoluir cada vez mais. Mãe Emília está de parabéns por tudo aquilo que eu vi, e hoje ainda é a primeira noite, vão haver mais duas noites, eu tenho certeza que vai ser tudo como manda o figurino do Tambor de Mina.
Pai Dinho, que é filho carnal de Mãe Emília, e que, segundo ela, é a segunda pessoa dentro do terreiro, demonstra na conversa que nos concedeu uma vida de envolvimento com as religiões afro:
Dentro de qualquer nação, cada obrigação tem um propósito, cada obrigação tem um grau, ou seja, aumenta o conhecimento da gente. Então, na minha nação, Mina Jejo Nagô, aumentam os meus conhecimentos, confirma os meus voduns, os meus orixás, porque eu paguei a minha última obrigação, de deitar, foi em 1989, em São Luís do Maranhão, com Dom Jorge. Como eu não tinha mais feito nenhuma obrigação, agora essa obrigação é pra confirmar tudo o que eu já fiz, ou seja, pra me atualizar. Daqui a um ano eu vou fazer uma outra obrigação, que é mais um outro grau que eu vou receber dentro da nação Mina.
Devido à experiência que eu tenho, devido ao tempo que eu tenho de nação, é necessário eu fazer essa obrigação pra serem confirmados os meus orixás, serem confirmados os meus voduns, pros meus voduns poderem trabalhar e aumentar meus conhecimentos. A única coisa que a gente leva é o nosso conhecimento e a nossa experiência, isso nunca vai se acabar. É uma obrigação muito valorizada pra mim, principalmente porque eu sou a raiz da casa da Mãe Emília, que é minha genitora, e eu sou o herdeiro nato desse terreiro de Toy Lissá/Agbê Manjá. Então, isso tudo faz parte do tempo da Mina, do tempo da minha Mãe de Santo.
Então veio um dos momentos mais bonitos da festa, o momento que Azaá Ká liberta os pássaros que estavam presos. Pai Dinho fala sobre o significado desse ritual:
A cerimônia dos pássaros simboliza o quê? Prosperidade. Do meu vodun, Azaá Ká, qual é a palavra principal? “Não prenda os animais! Deixem soltos para que eu possa caçar.” É até uma mensagem ecológica, em um ritual que simboliza prosperidade. E a gente pede para as pessoas que pegam no terreiro pra não prender, para soltar.
Também Mãe Emília nos falou desse belíssimo ritual:
Essa foi uma saudação de liberdade de soltar os pássaros, por Azaá Ká. Os pássaros estavam presos, e ele veio e soltou todos. É como se fosse um abrimento de caminhos, uma luz que libertou as vidas daqueles pássaros. Isso faz parte de Oxóssi, de Azaá Ká. Significa o quê? Que eles não matam, só matam por necessidade, o que tem que comer. Mas os pássaros devem continuar soltos. Se estão presos, eles libertam, eles não gostam de ver bichos presos. Fizemos simbolicamente o ritual das matas.
E já ia pelo segundo dia de festa, então colocamos aqui a continuação da conversa com Pai Dinho sobre seu vodun, Azaá Ká:
Essa obrigação não deixa de ser um casamento confirmado. Toy Azaá Ká já era fundamental pra mim, e passa a ser mais fundamental ainda. Toy Azaá Ká pra mim hoje é tudo. É uma lição de vida, é uma lição de comportamento, é uma transmissão de poder pra eu poder ajudar muita gente, poder transmitir a calma, poder ajudar as pessoas a resolver alguns problemas através da mão dele. Ele é um vodun da linha de Oxóssi, que é um caçador, e eu espero prosperar muito com ele, que é um vodun das matas, e por isso veste o verde – suas cores são verde, vermelho e branco.
E também Floriza de Navé, conhecida no terreiro de Mãe Emília simplesmente como Flor, também nos falou de sua obrigação, de sua vodun, Navé:
Eu tenho quatro anos na casa, mas a obrigação de vodun é a primeira. Eu passo a receber um vodun, no caso, Nochê Navezuarina, que no Candomblé chamam Oxum. Hoje é como se fosse o meu batismo, é a confirmação, é um renascimento. A gente cresce dentro da religião, tendo um costume de tudo, é todo um aprendizado que a gente recebe aqui dentro, mediunicamente, espiritualmente. Eu já recebo, com isso, um grau dentro da casa, e assim vou poder participar de rituais que eu não podia. Na minha família, a religião vem de berço, veio de minha avó, de minha mãe, meus filhos, tá no sangue. Navê pra mim é tudo, ela é dona das riquezas, é uma grande mãe. Ela é superprotetora, ela é graciosa. Com a presença dela eu passei a ver de outras formas as coisas.
Tanto Mãe Emília quanto Pai Dinho e Floriza teceram elogios ao papel fundamental de Jéssica de Iemanjá (ao centro na foto abaixo), como guia da casa, em conduzir as obrigações com o empenho e a dedicação exigidos, como salienta Mãe Emília:
A Jéssica é uma guia da casa, cumpre o seu dever, respeita a religião. E tem aquele amor, aquela dedicação, filha de Iemanjá, como ela é.
Pai Dinho, em mais uma fala sua, deixa uma mensagem para todos que cultuam os cultos afro, seus irmãos e a todos que simpatizam com essas fundamentais religiões, que fazem parte da história de nosso povo:
Uma coisa que eu digo pra todos que frequentam nosso culto, que todas as nações se possam dar as mãos, procurar ser diferente, porque é uma coisa que falta ainda, a gente ainda é carente disso, a gente ainda é carente de vestir a camisa, de dizer eu faço parte dos cultos afro, sem vergonha e sem demagogia, com peito aberto, de cabeça erguida. Temos que estudar bem nossos orixás, nossos voduns, se aprofundar, levantar essa bandeira, não só de cultuar, mas mostrar pra sociedade, fazer um trabalho social também.
E Mãe Emília, com sua serenidade e sua sabedoria, deixou mais uma vez seus votos de amizade, esperança, todos os bons afetos, bons fluidos para todos os adeptos e gostam da proximidade com as religiões afro:
Que esses 26 anos sejam de muito axé, de muitas forças de Toy e Lissá, de Agbê Manjá, de luz para todos aqueles que participam do culto. Daqueles que vem em busca de uma paz, que eles sempre batam nessa casa. Que Lissá, que é o próprio Deus, nos dê força, luz, muito axé pra eu continuar por muitos e muitos anos junto com meus irmãos, com os visitantes, é o que eu desejo a todos, paz, amor, esperança.
E deixamos aqui mais algumas imagens dessa imensa e magnífica festa, com suas cores, seus sons, suas comidas singulares, contagiantes aos olhos e ao espírito…
Pai Edson de Codoense e seu Zé Raimundo (Pai Válter).
Seu Baianinho (Pai Miguel) e Pai Tota.
Pai Tota incorporado e Pai Lala.
Dona Chica Baiana (à esquerda).

● CENTRO DOS TAMBORES DE MINA JEJO NAGÔ TOY LISSÁ/AGBÊ MANJÁ ●
– Mãe Emília de Toy Lissá –
Rua Pintassilgo, nº 100 — Cidade Nova II – Núcleo II (Manaus-AM)
Telefone: (92) 9995-3894
CONVITE MINA JEJE NAGÔ
Published quarta-feira, 29 julho, 2009 Afro-Afin , Mina , Religião , Sincretismo 2 CommentsO Centro dos Tambores de Mina Jeje Nagô Toy Lissá/Agbê Manjá,
na pessoa de Nochê Hunjaí Emília de Toy Lissá/Agbê Manjá,
Convida
O Ilê Asé e adeptos para mais uma Comemoração de ano
dos Tambores de Mina Jeje Nagô Toy Lissá/Agbê Manjá
e também para a saída da obrigação de
.
“Julio César de Azaá Ká”
e
“Floriza de Navé”
.
.
.Nos dias: 31 de julho e 01 e 02 de agosto.
Com início às 20h (31 e 01),
No domingo, dia 02, às 17h.
“Os Negros Mina, tão valentes e tão fortes,
onde não alcançaram com os braços,
alcançarão com sua Fé e tradição.”
Atenciosamente,
Nochê Hunjaí Emília de Toy Lissá/Agbê Manjá
Endereço: Rua Pintassilgo, nº 100 — Cidade Nova II (Manaus-AM)
Telefone: (92) 9995-3894
LANÇAMENTO DO CD “ALESSANDRO DE OGUM CANTA AOS ORIXÁS” E OUTROS EVENTOS LIGADOS À CULTURA E RELIGIÕES AFRO
Published quarta-feira, 1 julho, 2009 Afro-Afin , Candomblé , Cultura , Mina , Religião , Sincretismo , Umbanda 7 CommentsClique nas imagens para ampliá-las.
Além da importância político-cultural-religiosa do lançamento do CD Alessandro de Ogum Canta aos Orixás por ser a primeira gravação musical dos cultos afro no Amazonas, o evento, organizado numa parceria da Federação Brasileira de Umbanda, Cultos Afro-Brasileiros e Ameríndios (Abucabam) e a Federação de Umbanda e Cultos Afro-Brasileiros do Amazonas (Fucabeam), realizou-se como uma confraternização e fortalecimento dos laços afetivos entre as diversas vertentes dos cultos afro existentes em Manaus.
Nochê Hunjaí Emília de Toy Lissá/Agbê Manjá (presidente da Fucabeam), Babalorixá Alessandro de Ogum e Pai Lairton da Oxum.
O evento ocorreu na sede da Fucabeam, e quem falou a este bloguinho foi Pai Lairton de Oxum, presidente da Abucabam:
Hoje é um momento importante pra nós, porque estamos lançando, em parceria com a Fucabeam, o primeiro CD da religião, um CD com rezas da nação Ketu. O CD é do babalorixá Alessandro de Ogum. E hoje é especial também porque nós estamos aqui reunidos não somente a nação Ketu, estamos fazendo a reunião de várias nações: Angola, o Tambor de Mina, Mina Jêjo Nagô, babalorixás, yalorixás de várias nações estão se juntando hoje aqui nesse lançamento. Todas as religiões já gravaram CD’s com louvações, com rezas, orações; nós estamos lançando o primeiro hoje no estado do Amazonas. Hoje, no lançamento, a gente aproveita para mostrar um pouco da cultura afro-brasileira. Está sendo apresentada uma exposição do tambor de Mina, uma exposição de livros da coleção da editora Pallas, com livros referentes às religiões afro-brasileiras, e haverá ainda a apresentação do balé afro Mutalembê e de uma roda de capoeira. Tudo isso vai fazer parte desse evento em torno do lançamento do CD.
Na alegria de ter realizado um feito singular e de fundamental importância para as religiões afro do Amazonas, o jovem babalorixá Alessandro falou-nos que desde pequenino vive na religião afro, cultuando-a sempre com devoção e responsabilidade, e nos disse dos motivos que o levaram a realizar este trabalho:
É o primeiro CD que tá sendo gravado aqui do Amazonas. A gente tá colocando aí para as pessoas ouvir e gostar da música dos orixás. De Exua a Oxalá, e um xirê completo. Foi um trabalho muito grande pra mim e pros meus irmãos que fazem parte do CD, mas graças a Deus, a Ogum e todos os orixás estamos aí de bom axé. O povo vai gostar…
Para quem desejar ouvir o CD:
Alessandro Canta aos Orixás
Fones: (92)3645-9161 // 8133-7392 (Entrega a domicílio)
Disponível também em diversas cabanas de produtos afro.
O povo gosta de tudo que auxilia na afirmação da cultura afro, e não apenas os filhos e pais de santo estão gostando, mas também os simpatizantes e todos que são contrários à intolerância religiosa, a qualquer forma de intolerância.
Com essa espiritualidade, saímos para dar uma olhada nas belas exposições presentes no amplo terreiro.
EXPOSIÇÃO TAMBOR-DE-MINA
Roupas das Tobossis (Princesas meninas do Daomé) e bengalas dos Voduns e Nagô Gentil
EXPOSIÇÃO DE LIVROS AFRO-RELIGIOSOS
Havia ainda uma exposição/stand de obras da Pallas Editora, que tem um projeto desde 1980 de publicar livros privilegiando temas ligados às nossas origens étnicas e culturais, inclusive com linha infanto-juvenil, escritos por estudiosos e autoridades religiosas afrodescendentes.
APRESENTAÇÃO DE CAPOEIRA: LEGIÃO BRASILEIRA
E quando entrou Mestre Cristiano e a moçada da Legião Brasileira o terreiro foi preenchido de toda a musicalidade, movimentos e dança da capoeira. Sentindo o axé, o Mestre passou a envolver todos os presentes e aquilo que seria uma demonstração passou a ser um ritual coletivo.
É no embalo do meu berimbau
É no embalo do meu berimbau
Eu quero ver você bailar
No meu berimbau
E todo mundo é do embalo
Do meu berimbau
Essa menina é danada
Do meu berimbau
Eu quero ver você tocar
No meu berimbau
É no embalo do meu berimbau
É no embalo do meu berimbau
Foi então a hora de mostrar as habilidades com o cacetinho, em uma das mais vigorosas modalidades da capoeira: o Maculelê, que Mestre Cristiano, inicialmente explicou não se confundir com a popular Dança do Cacetinho, e falou de sua origem com o Mestre Popó, na Rua da Linha, há tantos passados lá em Salvador.
Certo dia na cabana um guerreiro
Certo dia na cabana um guerreiro
Foi atacado por uma tribo pra valer
Pegou dois paus, saiu de salto mortal
E gritou pula menino, que eu sou Maculelê
Então um pandeiro pulou pra roda, e não somente as garotas da Legião Brasileira caíram no samba, muitas das que estavam na platéia foram convidadas e não titubearam.
Mulher bonita
Do cabelo enrolado
Da boca pequena
O nariz afilado
Homem para ser livre
Domina sua mente
E jamais será escravo
DOCUMENTÁRIO SOBRE JORGE BABALAÔ
Na sequência, foi feita a reprodução de um documentário sobre o Babalaô Jorge da Fé em Deus (São Luís do Maranhão), pai de santo de Mãe Emília e um dos mais conhecidos e importantes babalorixás do Tabor-de-Mina do Brasil.
Falecido em 2003, Pai Jorge era respeitado não apenas pelos conhecimentos das religiões afro, mas também pelo engajamento na luta pela preservação de todos os cultos afro no Maranhão, e assim, por suas atitudes, contribuiu, e contribui, com a resistência das religiões de matrizes africanas em todo o Brasil.
BALÉ AFRO “MUTALEMBÊ”
Eis que vieram as garotas do Balé Afro “Mutalembê”, formado em 2005 a partir dos movimentos da negritude em Manaus, com o objetivo de difundir através da dança a beleza, conhecimentos e posições da cultura afro para a comunidade de Manaus. Nesse evento, fizeram alguns números com músicas do cancioneiro popular ligadas à cultura e à religião de matrizes africanas, como a maravilhosa composição de Paulo César Pinheiro e João Nogueira, Guerreira, conhecida na voz da guerreira Clara Nunes.
Se vocês querem saber quem eu sou
Eu sou a tal mineira
Filha de Angola, de Ketu e Nagô
Não sou de brincadeira
Canto pelos sete cantos
Não temo quebrantos
Porque eu sou guerreira
Dentro do samba eu nasci,
Me criei, me converti
E ninguém vai tombar a minha bandeira.
Com certeza esse evento foi fundamental para aproximações democráticas dentro dos diversos cultos afro e manifestações afro em Manaus. Uma verdadeira confraternização de todos aqueles que comungam a possibilidade de um mundo sem intolerância, onde todos possam compartilhar sua beleza cultural de forma plena e livre. Axé!
ARRAIAL DE SÃO JOÃO NO TERREIRO DE MINA GÊGE-NAGÔ TOY LISSÁ/AGBÊ MANJÁ
Published sábado, 27 junho, 2009 Afro-Afin , Mina , Religião , Sincretismo 6 CommentsFogueira, iguarias juninas, quadrilha de crianças e um boizinho lá do Maranhão, foi no Arraial de São João no terreiro de Mãe Emília de Toy e Lissá, que mantém a maravilhosa tradição há quase três décadas.
Todo ano, desde quando eu morava na Pça 14, eu faço esse arraial, já faz mais de 25 anos. Sempre assim com alegria, vem os amigos, é uma tradição que a gente sempre faz. Todo ano a gente comemora São João, faz a fogueira, faz esse arraialzinho, tudo é dado de graça.
E logo veio a primeira atração da noite, uma engraçada e divertida quadrilha de crianças dançantes e sorridentes em brincar de corpo e alma na noite de São João.
No intervalo, a meiga Mariana distribuía as fichas para os convidados, tudo de graça, como falou Mãe Emília. E no delicioso cardápio: tacacá, vatapá, milho cozido, bolo de tapioca, mingau de milho, mungunzá. Tudo com direito a repeteco…
Teve quem agradecesse e quem fizesse os seus pedidos a São João ao redor da fogueira ardente em labaredas.
Então chegou a hora do boizinho vir ao terreiro para brincar, hora tão esperada pela moçada afinada, que não chegada ao boi comercializado. Mãe Emília nos faz a apresentação do tão amado boizinho:
O boizinho chama-se Estrela do Oriente. Tá com três anos que veio do Maranhão. Ganhei da casa de santo do Pai Zé Catarandi. Eu fui pra uma festa lá, e quando terminou tudinho, na hora da matança dos bois, me enregaram ele. Aí eu batizei ele aqui, com toda cerimônia. Vem umas entidades do povo de Légua, que vem dançar. No dia do boizinho, elas acompanham, vem comemorar, louvar, porque o boi pertence ao povo de Légua lá, então eles vem também, o povo de Légua.
Como anunciou Mãe Emília, a primeira entidade que veio, para dançar como miolo do Estrela do Oriente, baixando em Danilo, filho da Mãe Orny, foi seu Manezinho de Légua, que santificou as evoluções na velocidade da ginga no terreiro.
Já em Mãe Orny quem veio foi Dona Suzana de Légua, que já foi entoando toadas melodiosas e dançando sempre vigorosamente.
Boi, Boi, Boi,
Vaqueiro meu vá se preparar
Se tu vais no Codozinho
Se tu vais no Maranhão
Vá dizer pro meu Pai Légua
Que aqui está melhor do que lá
As matracas, cada vez mais afinadas, fez empolgar os brincantes, e o boizinho Estrela do Oriente, boi de raça, vindo lá do Maranhão, passou para as mãos de um por um, que o empunhavam com carinho e devoção.
E assim o boizinho tão amado no Terreiro de Mina Gêge-Nagô Toy Lissá/Agbê Manjá fez, segundo Mãe Emília, apenas uma pequena demonstração, mas que, para este bloguinho, é uma apresentação do autêntico boi, fora da simulação comercial parintinense. Mãe Emília recorda…
Esse boi de hoje tá muito folclórico, não é mais como o boi de antigamente. Meu pai dançava no Mina de Ouro, no Corre-Campo, Tira-Prosa, logo que começou, eu ainda era mocinha e acompanhava ele no boi. Você via aquela trincheira de índio, você dizia que era índio de verdade, agora se acabou desses bois, tá tudo muito artificial.
Ainda segundo Mãe Emília, Estrela do Oriente já tem algumas toadas compostas, ela e os filhos irão compor mais, irão ensaiar e no ano que vem fazer uma apresentação maior, com o ritual completo do verdadeiro Bumba-Meu-Boi. Este bloguinho com certeza virá para ver toda a beleza do Estrela do Oriente. Urra, Meu Boi!
Danilo com o Estrela do Oriente, aqui já sem seu Manezinho de Légua, a entidade-miolo do boi.
TRASLADO DE SÃO BENEDITO (3ª e última parte)
Published sexta-feira, 24 abril, 2009 Afro-Afin , Mina , Religião , Sincretismo 2 CommentsA Mina não é pra quem quer
É só pra quem sabe baiar
Quem tá dentro não queira sair
Quem tá fora só queira entrar
Clique nas imagens para vê-las de perto.
RETORNO AO YLÊ AXÉ SESU TOYÃN
No domingo passado, quando se completavam as nove noites de novena, Mãe Vera d’Oxum e Pai James d’Ogum, acompanhados de filhos, amigos e familiares, dirigiram-se ao Ylê Axé Sesu Toyãn para devolver São Benedito e agradecer a honraria de ter recebido o santo negro com tanta alegria e devoção…
Encontraram o Ylê Axé Sesu Toyãn completamente reunido e em fraterna comunhão para receber de volta o santo, como se faz aí há tantos anos. Quem explica é mais uma vez é o padrinho da festa, Pai Raulzinho Ti Oxum:
É uma tradição que começou no Seringal Mirim, e já está há dezoito anos na responsabilidade do Pai Gilmar. E já são nove anos com esse que eu sou o padrinho da festa. Festa que congrega todas as casas de axé de Manaus. A gente tenta também com esses rituais visitar outras casas e estabelecer uma maior comunicação, uma maior fraternidade entre os irmãos de axé, independente se for Ketu, Angola, se for Mina Jêjo, Mina Vodun. Nós tentamos isso: por meio de São Benedito, fazer uma sincronia das casas, convidar a todos pra ter-se um diálogo aberto, fraternal, o que é espiritualidade, o que é hoje a união dentro do axé. Então nós usamos o Vodun Toy Averequete, na pessoa de São Benedito, pra fazer essa confraternização de axé.
Todo mundo aconchegado no impecável terreiro, impulsionada por Pai Raul, deu-se início à novena, onde todos participavam respondendo e cantando as rezas e orações.
Com direito ainda a participações especiais das crianças. Wagner, que não titubeou na leitura de uma longa reza toda em latim, deixando na maior inveja muitos estudantes de Letras, e Raíssa d’Yemonjá, que se apresentou para ler uma das orações da novena repassada ao público.
Essa é uma tradição que nós trazemos da Mina, nós trazemos do povo do Maranhão, porque muitas das casas manauaras, de origem, nos primórdios do santo, eram todas de origem Mina Nagô, ou Mina Vodun, ou outras denominações de Mina. As velhas vodunças, que vieram de São Luís do Maranhão, que vieram pelo estado do Pará, vieram de barco justamente para povoar a região amazônica, no ciclo áureo da borracha, e elas trouxeram essa tradição de culto ao Vodun Toy Averequete, que é o grande homenageado, por tabela, pois usamos o São Benedito para na verdade homenagear Toy Averequete.
Quando todos já tinham prestado suas reverências a São Benedito, a festa começou, e logo no momento apropriado Pai Gilmar distribuiu a comida do santo aos filhos e convidados.
Após a realização desse ritual, os tambores pegaram fogo, e então baixou no salão aquela que é, desde 1991, na coroa de Pai Gilmar, vem propagando e preservando o Traslado de São Benedito: dona Herondina.
Dona Mariana, que estivera no traslado de ida e na festa de sábado na coroa de Mãe Valkíria, agora baixou na coroa de Mãe Vera.
E lá estava novamente, alegre e formoso, seu Josiano, que foi dançar, cantar e regozijar a todos com sua magnífica presença.
Ê tumba lá e cá
Ê tumba ê caboco
Ê tumba lá e cá
Ê tuba ê meu pai
Ê tumba lá e cá
Ê não me deixe só
Desde quando saiu, na trasladação daqui já foi uma pré-festa. Na verdade, serão ao todo quatro dias de festa. Começou a festa na sexta-feira, na casa de Mãe Valkíria; sábado na casa de Pai James d’Ogum; hoje na casa de Pai Gilmar de Yemanjá, que é uma festa pública, e amanhã é a varrição, que também é uma festa pública, mas é quando os encantados se congregam com o povo da casa, uma festa nossa, uma festa íntima, pra reunir a família. É o momento de congregar a grande família do axé e a nossa micro família. É a reunião do macrocosmo do Candomblé com o microcosmo daqui de casa. É uma festa que a gente pretende perpetuar enquanto tiver um descendente aqui que seja devoto de São Benedito.
E Dona Mariana gostou tanto da festa que mal saiu da coroa de Mãe Vera, já voltava na de Mãe Valkíria.
Eu venho na festa de São Benedito porque a dona Valkíria é filha dessa casa, é filha de santo do seu Gilmar, e eu sempre fiz parte da vida do seu Gilmar. O povo não sabe, mas eu sou “madinha” do seu Gilmar. Em toda situação, eu sempre tive com seu Gilmar. Eu sempre disse que nunca vou abandonar seu Gilmar. Aconteça o que acontecer, eu sempre estou nesta casa. Com festa ou sem festa, sempre estou aqui.
Enquanto tiver a devoção e alegria do povo de Mina, enquanto houver padrinho devotado como Pai Raul, enquanto houver o culto a encantados como dona Herondina, dona Mariana, seu Josiano e tantos outros, enquanto houver Toy Averequete, os festejos de São Benedito serão preservados e, na verdade, já está eternizado na satisfação de todos que participaram de festas como essa, com toda a beleza e vivacidade do culto afro Mina Jêjo Nagô. Axé!
●●● YLÊ AXÉ SESU TOYÃN ●●●
(Pai Gilmar, Fômu de Yemonjá)
Rua Bom Jesus, nº 09 — Jorge Teixeira (Manaus-AM)
Telefone: (92) 9176-2290
TRASLADO DE SÃO BENEDITO (2ª Parte)
Published quinta-feira, 23 abril, 2009 Afro-Afin , Mina , Religião , Sincretismo 1 CommentAverequete, Averequetinho
Dai-me lincença pra baiar um bocadinho
Averequete, Averequetinho
Dai-me lincença pra baiar um bocadinho
Clique nas imagens para vê-las de perto.
Após as apresentações ontem dos fundamentos das manifestações populares em honra a São Benedito, organizadas pelo Ylê Axé Sesu Toyãn, e dando continuidade sobre o Traslado de São Benedito, conversamos com Pai Raulzinho Ti Oxum, padrinho da festa há vários anos.
O ritual começa no Sábado de Aleluia. São nove dias consecutivos de novena na casa em honra a São Benedito. No oitavo dia, o santo é trasladado para a casa de uma pessoa, que é homenageada. Essa pessoa acolhe o santo dentro do ritual Vodun Nagô. No dia da festa da novena, tem uma preleção com as pessoas que vieram à festa para escolher qual pessoa, qual babalorixá ou yalorixá o santo irá visitar no ano seguinte. No último dia de novena, a casa que o santo visitou tem a obrigação de trazê-lo de volta à casa original. Realiza-se o último dia de novena e nós chamamos os encantados da casa pra louvar São Benedito. São Benedito é o santo devoto de dona Herondina, é o santo padroeiro da família da Turquia.
OITAVA NOVENA NA CASA DE MÃE VALKÍRIA
Pai Raul explica ainda por que o traslado fez um corte, passando numa terceira casa, a casa de Mãe Valkíria.
Esse ano, foi feito algo incomum nestes dezoito anos de santo, pois a Mãe Valkíria recebeu uma graça de São Benedito no decorrer do ano passado, então ela chegou com a comissão da festa — que somos uma comissão; apesar de eu ser o padrinho, de o Pai Gilmar ser o proprietário da casa, o dirigente espiritual, mas nenhuma decisão é imperativa. Há um conselho que julga as decisões tomadas pela casa. Não é a vontade do Pai Raul, não é a vontade do Pai Gilmar, não é a vontade de fulano. É a união das vontades da casa —, então ela chegou dizendo que esse ano ela queria homenagear o santo na casa dela, foi aceito e na sexta-feira o santo foi pra lá.
E para confirmar as palavras de Pai Raul, a própria dona Mariana, na coroa de Mãe Valkíria, explica o novo percurso do traslado.
Esse ano, o traslado passou pelo meu casulo, depois foi pra outra minha casa, em cima de Mãe Vera, mas é minha também. De lá da casa da moça Vera, voltou pra casa do pai de santo Pai Gilmar. A dona Valkíria tem um voto com São Benedito, e por ela ter esse voto ela pediu um ano pra ir pra lá. Depois eu pedi mais um ano, que ele fizesse o Novenário na minha casa, e de lá fosse pra casa da moça Vera, que foi eu que entreguei o São Benedito, no ano que passou, pro meu filho James, que é meu filho também. Entreguei aqui, com a presença da Herondina. E pedi da Herondina, que é minha irmã – nós somos turcas – pra São Benedito ir até a outra minha casa, que minha filha tava precisando de umas ajudas. Levei pra homenagear São Benedito. No voto que a dona Valkíria tem com São Benedito, está bem sucedida, recebeu as graças e tá pagando como pode. A festa é aqui, porque é casa de Yemanjá, e o protetor da casa é São Benedito.
IDA À CASA DE MÃE VERA D’OXUM E PAI JAMES D’OGUM
A ampla e magnífica casa de Mãe Vera d’Oxum e Pai James d’Ogum estava maravilhosamente enfeitada para receber São Benedito.
Após os rituais na porta, São Benedito foi levado ao terreiro por seu Josiano, na coroa de Pai James, e a ekédi Rayssa d’Yemanjá Ogum Té e, depois de enfeitado devidamente por Pai Ribamar, foi colocado no maravilhoso altar que estava preparado para o santo.
O terreiro estava lotado. Então os tambores soaram ritmados e as rezas foram puxadas com devoção e alegria. Logo o terreiro estava cheio de encantados e voduns, que vieram para homenagear São Benedito, assim como receber bênçãos e abençoar o povo todo presente.
E Pai James nos relatou a alegria de sua mãe e sua de receberem no seu terreiro São Benedito como um oferecimento e reconhecimento de estima e amizade dos outros axés:
Na realidade, a tradição da casa do Gilmar, a devoção que ele tem com São Benedito. Essa devoção que ele tem, que todos nós temos. Esse ano foi escolhida a casa de Oxum, de Mãe Vera de Oxum, que é minha mãe carnal. Essa casa foi escolhida para receber São Benedito. O meu catiço, seu Josiano, é o padrinho disso tudo.
E Pai Gilmar trouxe ao salão a cabocla Braba, na coroa de Mãe Vera, que também veio prestar suas ao santo negro São Sebastião.
Tambor de Mina quando rufa lá nas matas
Ele é de Mina! Ele é de Nagô!
Quem também estava presente era a conhecida e respeitada Mãe Lucimar, reverenciada por todos como uma das mais antigas e experientes zeladoras de santo de Manaus, que, segundo Pai James, também recebe seu Josiano, e vem à festa na casa de Pai James para apreciar ele incorporado em outra coroa.
Seu Josiano, na verdade, impressiona a todos pela disposição, pela alegria contagiante, pelo humor cortante, pelos vigorosos movimentos na dança, pelo gosto ritmado do toque, que exige de seus alagbês sempre estarem atentos á batida forte e o ritmo do tambor. Pai James dá algumas informações:
Seu Josiano é um príncipe de Nagô, filho de um rei de Nagô. Fizemos uma festa para receber o santo, e no outro dia fomos entregar o santo de volta à casa dele, Pai Gilmar.
Se seu Josiano joga o chapéu no chão, seus filhos, de um por um vão sambando ao redor.
Eu sou maquinista do trem
Vou embora pro sertão
Que eu aqui não me dou bem
Viola, meu bem! Viola!
Viola, meu bem! Viola!
E quando seu Josiano abre a roda, todos, sejam do santo ou convidados, todos têm de dançar, animando a festa na ginga no pé e nas palmas das mãos.
E assim, nesse pique, a festa continuou madrugada a dentro, até que seu Josiano chamou Mãe Lucimar para segurar suas mãos enquanto ele ia da coroa de Pai James, sabendo que logo mais retornaria, pois já era dia de levar São Benedito de volta à casa de Pai Gilmar.
Amanhã, aqui neste bloguinho, o traslado de São Benedito de volta ao Ylê Axé Sesu Toyãn.
●●● MÃE VERA D’OXUM e PAI JAMES D’OGUM ●●●
Rua Suiça, nº 826 — Grande Vitória (Manaus-AM)
Telefone: (92) 9977-2393
TRASLADO DE SÃO BENEDITO (1ª Parte)
Published quarta-feira, 22 abril, 2009 Afro-Afin , Mina , Religião , Sincretismo Leave a Comment“Glorioso São Benedito!
Servo de Deus destinado.
Glorioso São Benedito!
Servo de Deus destinado.
Que fielmente adorastes
A Jesus crucificado.
A Jesus crucificado.”
O Novenário de São Benedito é realizado todos os anos no Ylê Axé Sesu Toyãn, começando no sábado de aleluia. Na oitava noite de novena, o santo faz o traslado para uma outra casa de santo escolhida pelo conselho de São Benedito, que organiza as novenas e festejos. Lá, entidades do culto afro Mina Jêjo Nagô recebem o santo e ocorre uma festa de acolhida. No dia seguinte, o traslado é feito em retorno ao barracão original, conforme as tradições dos rituais religiosos mais populares que perduram como devoção espiritual e beleza plástica.
Publicamos agora, na primeira das três partes que compõem este trabalho, o resumo histórico do livreto distribuído aos participantes do Novenário, segundo o qual “a novena de São Benedito foi textualmente formada por fragmentos de orações e ladainhas fornecidas em 1991, por Dona Creuza, quando da primeira novena realizada inicialmente no Templo de Candomblé Terreiro de Santa Bárbara”. Ao longo dos anos, os babalorixás Gilmar Ti Yemonjá e Vichê Arnaldo de Nochê Abê introduziram outros cantos populares e organizaram o apostilado. Finalmente, o Dofono Raulzinho Ti Oxum fez o trabalho de recuperação de textos e trechos perdidos e deu-lhes a forma atual, “situando-os em uma sequência mais harmoniosa”, constituindo um verdadeiro documento histórico.
NOVENÁRIO PERPÉTUO EM HONRA A SÃO BENEDITO
* Resumo Histórico *
A origem da devoção a São Benedito deve-se ao colonizador português, que por volta do ano de 1610 o trouxe para o Brasil. O santo negro, nascido no ano de 1526, em São Filadelfo, na Sicília, Itália, ganhou a simpatia não somente dos senhores da colônia, mas também dos negros e de todo o povo humilde, que via no santo a manifestação da Providência e caridade Divina. A sua devoção pelas religiões de matrizes africanas está intrinsecamente ligada à devoção ao Vodun Toy Averequete, não sendo possível fazermos referência a um sem citarmos o outro.
Toy Averequete ou Verequete, também conhecido ritualisticamente por Adunoblé, na casa dos Jejes, é tido como um rapaz e vem na frente trazendo os outros Voduns, tendo em vista que o mesmo foi o primeiro Vodun a entrar nas matas “para pegar os caboclos” que lá se encontravam. Já no nagô Abioton, Casa de Nagô, Fanti — Achanti e Terreiro de Abê — Manjá, bem como em outros terreiros de Mina do Maranhão, é tido como Senhor; bebe, fuma, fala, louva São Benedito e gosta do tambor de Crioula. Verequete é também considerado chefe dos terreiros de Mina do Maranhão, nos quais recebe o título de “TOY AVEREQUETE VONUKÓN, GAL POSSUÉ NO KEJÁ”, que significa: “O Rei de todas as coisas, que entra nas matas”.
Das terras do maranhenses o seu culto e devoção transportaram-se para o Estado do Amazonas junto com mulheres ousadas que trouxeram consigo não somente suas bagagens e lembranças do Maranhão querido, mas também a sua jóia mais valiosa, sua religiosidade — o culto aos Voduns. Como não poderia ser diferente, Toy Averequete também se tornou o principal Vodun reverenciado nestas terras, destacando-se o seu culto no templo de candomblé Terreiro de Santa Bárbara, como era conhecido o Ylê Axé Oyá Tope Messan Orun, no antigo bairro do Seringal Mirim, hoje chamado de João Alfredo.
Em 1991, a tradição em louvor a São Benedito foi resgatada no terreiro de Santa Bárbara e lá permaneceu ao longo de sete anos, sendo progressivamente difundida pela encantada dona Herondina, na coroa de Pai Gilmar Ti Yemonjá, que juntamente com outros encantados, como o Cigano de Pai Ribamar Ti Xangô, o caboclo Rompe Mato do vichê Arnaldo de Nochê Abê, a encantada Dona Mariana de Frank de Oxóssi, o caboclo Tapindaré do saudoso Luzimário Ti Obaluayê, bem como o caboclo Surrupira da querida dona Miracy Ti Ossãe deram continuidade ao culto em louvor ao santo. O novenário transferiu-se da casa de Pai Ribamar para a casa de Pai Gilmar e manteve-se constante em seu caráter religioso até os dias atuais, com seus rituais específicos e toques característicos dos tambores da Mina do Maranhão, em homenagem conjunta ao Vodun Toy Averequete e ao glorioso São Benedito, protetor dos negros e medianeiro constante da Providência Divina.
Na novena, percorre-se diariamente com o santo negro o caminho da misericórdia e vivencia-se um pouco a ternura humana e divina revelada no Cristo, Jesus, e tão bem cultivada por seu humilde servo São Benedito, como pessoa de fé constante e amor infinito.
Amanhã, aqui neste bloguinho, o traslado de São Benedito para a casa de Mãe Vera D’Oxum e Pai James d’Ogum.
●●● YLÊ AXÉ SESU TOYÃN ●●●
(Pai Gilmar, Fômu de Yemonjá)
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SÁBADO DE ALELUIA NO TERREIRO DE MINA GÊGE-NAGÔ TOY LISSÁ/AGBÊ MANJÁ
Published sábado, 18 abril, 2009 Afro-Afin , Mina , Religião , Sincretismo 26 Comments
Clique nas imagens para vê-las de perto.
Como o culto afro Mina Gêge-Nagô cumpre os preceitos da quaresma, a casa ficou fechada para rituais públicos, por isso, somente agora, quarenta dias depois, é que Nochê Hunjaí Emília de Toy Lissá/Agbê Manjá e seus filhos recebem todos os convidados na reabertura da casa com muita alegria e devoção, como se pode perceber na fala de Mãe Emília distribuímos aqui.
Essa festa é uma reabertura da casa. A gente fecha a casa, depois da obrigação da cana verde, por quarenta dias, a Quaresma, todo esse período anterior à semana santa a casa fica fechada. Os vodunços, os orixás são recolhidos. Só ficamos em oração. A gente se guarda e pega as guias, todos os aros são recolhidos. É obrigação ficarem dentro do peji, que é aquele santuário sagrado, onde só tem os vodunços, os orixás, somente coisas sagradas ali dentro. Fica tudo ali dentro e só na Quinta-feira Santa é que se tira, pra lavar, organizar, coloca-se tudo em obrigação, que é pra no Sábado de Aleluia se usar.Só reabre no Sábado de Aleluia. Quinta-feira Santa tem a displantação da cana verde, tem a ceia que a gente faz. Na Sexta-feira Santa tem a procissão, aqueles rituais todos, e só depois de 7h da noite nós começamos a descobrir a casa toda, pra arrumar para a festa do Sábado de Aleluia.
Mas antes de reabrir a casa, participamos da comunhão realizada pelo compartilhamento do santificado geum, que não pode ser registrada por acontecer dentro do peji.
Antes de tudo tem o geum, que se faz antes de abrir a casa. É uma comunhão que se faz com a comida, com o amalá, com coisas que são do santo. Ali naquela hora, já estão entregues as orações, você faz o seu pedido. Você recebe o furá, que é feito com arroz e outros mistérios que têm, come a farofa de amendoim e bebe o aluá, que é feito de abacaxi, milho, essas coisas.
Após o geum, as guias dos filhos foram entregues conforme os cargos dos filhos, e só então se iniciaram os rituais, mas com as luzes ainda apagadas…
Depois é que começa, com as luzes apagadas, somente com as velas. Quando a gente termina de cantar, que louvou Aleluia, é que se acende a luz, aí vem o clarão. Tem que se cantar para todos os vodunços, para todas as mães. Muitos descem, vem mostrar que eles estão ali.
Dom João, que é mensageiro de Lissá, senhor da casa e da coroa de Mãe Emília, foi chamado para tomar conta deste reinicio das atividades. Aleluia, Dom João!
Aleluia! Dom João, olha teus filhos
Olha que o mundo mudou
Vamos dar o joelho à terra
Pra adorar nosso Senhor
Aê, manjedor, rompeu alegria
Vodun raiou
Pai Dinho, Pai Pequeno, segunda pessoa dentro da casa, que, segundo Mãe Emília foi deitado e preparado desde criança, quando ela andou na Bahia e no Maranhão, por isso demonstra tanto conhecimento e segurança em tomar conta da roda e dos tambores. Com sua cavernosa, potente e melodiosa voz, preenche o terreiro, enquanto as entidades vão chegando e preenchendo-o.
Finalmente foram liberados os tambores deitados e chamados a baixar os vodunços para o principal rito da noite: o Abieié, “bolos” nas mãos por uma palmatória. Antes de começar o ritual, por fazer parte de uma tradição que não é mais usual e até condenável atualmente, Mãe Emília e Pai Dinho explicaram alguns significados simbólicos desse ritual, o qual também não pudemos registrar por realizar-se no peji.
Depois é que se vira para o povo que vem pra levar o Abieié pros seus filhos. O Abieié é a disciplina que os vodunços vêm ao mundo para dar disciplina pros filhos, pra mostrar que eles são pais, são tudo, que a mesma passagem que passou o nosso Senhor todo poderoso, a gente vai ter de fazer também esse ritual todinho. Por isso se canta para todos os vodunços, todos os orixás. Os encantados descem, os pais espirituais descem para dar disciplina pros filhos. Eles mandam os mensageiros vir. Àqueles que não incorporaram, a obrigação é da mãe de santo da casa dar aquele bolinho pra dizer pro filho que ele cumpriu sua disciplina.
Ô abieié! Ô abieié!
Ô abieié!, meu vodunço
Abieié!
Seu Ubirajara baixou e veio distribuir seus disciplinantes e santificados “bolos” nas mãos dos filhos e até para os convidados.
O Abieié é, na verdade, uma pedra que é preparada durante sete dias e na qual a gente canta para os vodunços. A palmatória também é preparada durante sete dias. É uma tradição muito antiga. Muitas casas não fazem mais isso, mas a gente continua nossa tradição. Eles descem e vão naquela pedra fazer a obrigação que tem que fazer, se o filho errou a vida toda, se está errando, ou se não. Chama-se Tambor de Alegria. Tambor de Alegria porque todo mundo da comemorando a reinação de Cristo de novo. Esse bolo não é só pra disciplinar, é um bolo que espanta qualquer coisa que estiver em cima de você, se você tem uma força contrária ele vai espantar. Tem muito significado.
E o tambor era realmente de alegria e contagiou a todos, tanto quem estava na roda quanto os convidados, todos regozijados pela beleza e espiritualidade do verdeiro culto Mina Gêge-Nagô. Após o Abieié, Pai Alan, que vem de uma família devotada ao santo (segundo Mãe Emília, sua mãe era mãe de santo, a avó dele era mãe de santo, do tempo da pajelança), fez as homenagens à casa e a todos que ali se encontravam.
Como já passara da meia noite, então Virou o tambor para dar passagem para dona Maria Légua, filha de dona Légua de Boji Boá, da família Cambinda.
Veio ainda seu Zé Pelintra, na cabeça de Pai Alan, e seu Colhe Maneiro, na cabeça de Pai Dinho.
E com dona Légua veio a irmã. Na cabeça de seu Tatá, toda a alegria da melodia empolgante nas rezas e nos volteios da dança de dona Xica Baiana.
E assim a festa do Sábado de Aleluia entrou pela madrugada até o raiar da bela manhã do Domingo de Páscoa, com a comunhão de toda a alegria e satisfação de estarem ali no vigor dos cultos afro que, agora, após a Quaresma, seguirão pelo ano a fora…
PAI JOEL DE OGUM CONVIDA
Published quarta-feira, 18 março, 2009 Afro-Afin , Candomblé , Mina , Religião , Sincretismo , Umbanda , Umolocô 3 CommentsFESTA DE SEU ZÉ MALANDRO
No próximo sábado, Seu Zé Malandro completa 18 anos na cabeça de Pai Joel de Ogum, por isso ele convida babalorixás, filhos de santo, adeptos das religiões afro ou simpatizantes, enfim, a comunidade em geral para participar dessa maravilhosa festa.
Endereço: Rua São Marçal, nº 619 ― Cidade de Deus (Manaus-AM)
(Por trás da Pousada Laser)
Data: dia 21/03 (próximo sábado), às 20h
Telefones: (92)9155-3632 // 8146-8237
MPF/SP ENTRA COM REPRESENTAÇÃO CONTRA RECORD E GAZETA POR PRECONCEITO A RELIGIÕES AFRO
Published terça-feira, 10 março, 2009 Afro-Afin , Candomblé , Mina , Preconceito , Religião , Sincretismo , Umbanda , Umolocô , Violência 3 CommentsComo já foi dito aqui neste bloguinho pelo sapiente Pai Gilmar, as igrejas apocalípticas, que não alcançam o evangelho como “boa e nova notícia”, apresentam duas enunciações contraditórias entre si, ao mesmo tempo levando elementos próprios das religiões afro para sua prática (sal grosso, sessão descarrego, rosas, entre outros), principalmente as que usam espetaculares técnicas de tirar “espíritos malignos” — até aí tudo bem para todos os pais e filhos de santo, todos são sempre muito abertos e solidários às outras religiões —, mas, por outro lado, demonizando todas as entidades da Umbanda, Candomblé, Mina Nagô, Jeju, Umolocô, todas as religiões de matriz africana.
Na sua fantasia mirabolante, a maioria dos disangélicos provavelmente sequer sabia que existem tantas religiões afro, que elas são quase todas milenares, algumas muito mais antigas do que o Cristianismo paulino (não o de Cristo, o filho de Maria, que não carrega preconceitos e violentações), a maioria não sabe a mínima diferença entre Umbanda e Kimbanda, quase todos acreditam que Exu é o Diabo, que tudo é coisa do Diabo — não só os afro-religiosos, mas também os homossexuais, os ateus, as mulheres, não percebendo os incautos que ambos são religiões completamente distintas em sua origem. Os disangélicos não sabem que o próprio Satanás pertencia a uma seita que nada tinha a ver com a ainda seita cristã. E por aí vão desfiando o preconceito e a paranóia totalitários.
Quando as igrejas perceberam que a imagem não podia ficar somente na do Cristo pregado eternamente na cruz, muitos pastores, bispos despontaram na tonitruante tela total da televisão, e muitos passaram a utilizá-la como um meio, acintosamente, para embrutecer ainda mais o preconceito a outras religiões, como ao próprio Catolicismo e principalmente às diversas religiões afro, denominadas, pejorativamente, de “macumba”. Enquanto a Constituição diz que o Brasil é um país laico, defendendo a pluralidade cultural e liberdade de credo.
Entre outras emissoras de Tv, a Record e a Gazeta, desde seus surgimentos, vêm desfiando esses preconceitos. Por isso, no ano passado, o Ministério das Comunicações aplicou às duas uma multa de R$ 1.012,32.
No entanto, como as discriminações continuaram, o Ministério Público Federal em São Paulo deu entrada na quinta-feira passada (5) numa ação civil pública, com o pedido de uma liminar, “para que as emissoras de televisão Record e Gazeta não exibam mais programas que ofendam às religiões de matriz africana”. A multa pedida, caso as emissoras descumpram a medida, é de R$ 10 mil diários.
“Ao final da ação, o MPF pede que a Record e a Gazeta sejam condenadas a pagar, respectivamente, indenização por danos morais coletivos de 13,6 milhões de reais e R$ 2.424.300,00, correspondente a 1% do faturamento das emissoras, a ser revertido para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.”
Na ação, a procuradora regional dos Direitos do Cidadão, Adriana da Silva Fernandes, autora da ação, destacou que a liberdade de comunicação deve andar em consonância com os direitos dos cidadãos, ficando, inclusive, as emissoras em questão responsabilizadas mesmo no caso de as produtoras serem independentes.
“O abuso praticado pelas rés contraria a dignidade da pessoa humana,(…) bem como os próprios objetivos de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Xangô, o orixá da Justiça, com seu machado de aço, com certeza movimentará os raios e trovões para que seus filhos possam cultuá-lo com livre devoção, e que, com a diminuição da estupidez dos preconceitos, outras pessoas, inclusive os cristãos, possam apreciar toda a musicalidade de uma reza batida no Tambor de Mina, o vigor dos movimentos do Candomblé, a energia positiva na alegria de estar num terreiro de Umbanda…
Veja aqui a íntegra da ACP nº 2009.61.00.005800-6, distribuída à 9ª Vara Federal.
Leitores Intempestivos