Leia o diálogo entre o apresentador do programa virtual “Fala, Buraco!”, e um transeunte. Os dois ao analisarem os buracos que dominam Manaus durante décadas e que servem de cabos eleitorais para eleger candidatos, principalmente prefeitos, concluem que Manaus não é uma cidade, mas tão somente um buraco-orbital onde seus habitantes e visitantes acreditam que se movimentam e se relacionam na superfície e não suspeitam que se encontram na voracidade de sua profundidade buraco-negro.
HOMEM (Um homem se aproxima de outra que se encontra fotografando um buraco) – O senhor está fotografando esse buraco?
HOMEM II – É. Eu fotografo buracos.
H – Mas para quê? Buraco é tão feio.
H II – Depende.
H – Não. Buraco é sempre feio.
H II – Nem todos têm essa opinião.
H – Não acredito que exista alguém que goste de buraco.
H II – Tem.
H – Quem?
H II – O prefeito. Se ele não gostasse de buraco ele não deixava a cidade cheia de buracos. Quando a gente gosta de uma coisa, a gente mantém. Não é.
H – É, mas buracos.
H II – Pois é, cada um com seus gostos, e gosto não se discute.
H – Então, o senhor fotografa buracos por que gosta?
H II – Não. Eu fotografo porque eu tenho um programa na internet em que os buracos são os principais personagens.
H – E qual é o nome do programa?
H II – Fala Buraco. No programa eu apresento as entrevistas que eu faço com os buracos onde eles contam suas vidas, quando apareceram, como estão se sentindo nessa prefeitura, quais seus planos para o futuro.
H – Então, o senhor tem muito material, porque Manaus é cheia de buracos.
H II – Na verdade, Manaus é um buraco só. Tem buraco da Zona Leste que se junta com buraco da Zona Norte. Tem buraco que nasceu na Zona Sul e se junta com buracos do Centro.
H – É verdade! Um amigo me contou que uma vez um cara muito lombrado, colega dele, caiu em um buraco na compensa. Quando acordo, tudo escuro, ele não onde se encontra. Olhou para sua direita e viu uma luzinha longe, e começo a andar na direção. Andou, andou, andou e quanto mais andava a luz ia aumentado. Aí, ele sentiu que pisava em uma s coisas duras, parecidas com pedaços de pau. Quando olhou bem, eram esqueletos de pessoas, correu e subiu em um buraco, que era uma sepultura. Sabe onde ele saiu? No cemitério dos índios na no fim da Nova Cidade.
H II – Semana passada ocorreu um caso parecido com este. No fim da tarde de um sábado, no Jorge Teixeira III, uma senhora cansada de tanto trabalhar, caiu em um buraco. Os moradores correram para acudi-la, mas não conseguiram: ela desapareceu. Chamaram o bombeiro, e o prefeito, para fazer onda, compareceu no local. Olhou o buraco e negou que a mulher tivesse desparecido no buraco porque o buraco tinha fundo. Uma mulher protestou afirmando que não tinha porque ninguém via. O prefeito contestou afirmando que estava vendo o fundo. Aí alguém disse se ele estava vendo o fundo que ele pulasse no buraco e tirasse a senhora. O prefeito deu uma de ‘migel’ e se mandou. Cinco horas depois a senhora apareceu no meio do palco do Teatro Amazonas onde estavam realizando uma festa às autoridades locais. Quando o diretor viu a mulher toda suja de barro, bosta e lama tentou tirá-la à força do palco. Ela se desviou e gritou que as autoridades deveriam era saber o que tinha embaixo daquele teatro. Milhares de corpos de índios e cabocos que foram mortos na construção daquela casa de vaidade da burguesia. Esse caso foi bem divulgado.
H – Saiu na TV Globo?
H II (Indignado) – Porra nenhuma! A Mulher não era globotária. Bem que a Globo tentou fazer uma matéria com ela, mas a equipe de jornalistas foi expulsa na porrada. A comunidade unida gritou palavras de ordem: Fora Globo golpista! O Povo não é bobo, abaixa a Rede Globo! A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura! Se a Globo acabar o Brasil vai melhorar! A Globo é corrupta, não tem nada de justa! Fora Globo e Leva Temer Contigo! A Globo é imoral, ataca Lula e Dilma em seu jornal! E na correria, o carro de reportagem ainda caiu no buraco.
H – Só estes dois casos mostram que os buracos formam uma família só.
H II – Exatamente. Todos os buracos são parentes. Essa relação de parentesco, e mais o gosto do prefeito, faz com eles se mantenham.
H – O senhor muitos buracos velhos, ou na sua maioria são novos?
H II – Tem muitos buracos novos nascidos nessa prefeitura, mas têm alguns velhíssimos, do tempo do vai pra porra. Mais velhos do que a mentira.
H – Cacete! Então é velho mesmo, porque a mentira nasceu antes de Adão e Eva. Mas como o senhor sabe que eles são tão velhos?
H II – É fácil entender, embora a população não perceba por ignorância e cumplicidade com os políticos.
H – Como assim?
H II – Os buracos são verdadeiros cabos eleitorais. Buraco elege prefeito e deselege. Por exemplo, só para ilustrar. Os últimos quatro prefeitos foram eleitos através dos buracos. As campanhas eleitorais deles tinham como objeto principal o combate aos buracos. Todos eles afirmaram que iam acabar com os buracos.
H – E o povo acreditou na mentira.
H II – Pois é. O quarto prefeito passado jurou acabar com os buracos. Não acabou: aumentou mais. O terceiro prefeito aproveitou os buracos que o quarto tinha deixado e fez sua campanha prometendo acabar com os buracos. Também só aumentou. O segundo na mesma cadência. Só aumentou. E esse agora não deixou barato. Hoje, tem buraco dentro de buraco.
H – Meu Deus! É mesmo?
H II – É. Um dia desse eu fui entrevistar um buraco-abismo onde já havia caído uma família inteira, um ônibus, uma Kombi, uma moto e uma carroça.
H – Uma carroça?
H II – Sim. Com cavalo e tudo. Quando eu comecei a entrevista percebi que não era só o buraco-abismo que falava. Comecei a ouvir outras vozes-buracos. Olhei para todo lado para ver se os outros buracos em redor de mim estavam falando, mas nenhum deles falava. Me concentrei bem, e percebi que as vozes vinham do mesmo buraco-abismo. Era um monte de buraco falando, querendo falar sobre suas vidas e aparecer nas fotos.
H – Que coisa impressionante.
H II – Não é impressionante não, porque o povo não ver. Se o povo prestasse atenção aos buracos ele não votava em quem afirma que vai acabar com eles, porque é mentira.
H – Sem querer defender os prefeitos, que eu sei bem quem eles são, adoram fingir que falam a verdade, mas a chuva também é responsável pelos buracos.
H II – Na-na-ni-na-não! Durante todo ano Manaus é cheia de buraco. Com a mudança climática, tem chovido menos na cidade, e mesmos assim os buracos estão sempre na moda.
H – Bem, com toda essa sua afirmação sobre o predomínio dos buracos em Manaus, e sua capacidade de eleger prefeitos, não seria melhor que os buracos se candidatassem?
H II – É verdade. Mais tem um problema.
H – Qual é?
H II – Na verdade são dois. Se eles se candidatam prometendo acabar com os buracos, e eles são os buracos e são muito éticos, se eles acabarem com os buracos eles desaparecem, morrem e a cidade fica sem prefeito.
H – Essa é uma verdade. E o outro problema?
H II – O outro é muito preocupante. Como Manaus é um único buraco gigante formado por milhares de outros buracos, se eles acabarem com os buracos Manaus desparece. E aí, dança eu, dança tu, dança até a mãe do Jaú.
H – Cara, essa é uma cruel verdade! A que ponto chegamos! Estamos refém dos buracos! E alguns desses prefeitos ainda querem se candidatar.
H II – Mas tem uma saída para Manaus não acabar.
H – Qual?
H II – O prefeito de Manaus deve ser sabe quem?
H – Quem?
H II – O povo!
H – Mas você não disse que ele é ignorante não se compromete.
H II – Mas com uma boa orientação política sobre os direitos dos moradores da cidade, não há analfabeto político que não seja educado democraticamente e passe a ser senhor de seu próprio destino. O povo entendendo que ele criou a sociedade civil, o Estado, e as instituições não tem que lhe engane.
H – É verdade. O povo entendendo que ele existe por si mesmo, que foi ele quem produziu seu ser-social, adeus candidatos exploradores.
HII – É a verdadeira democracia!
Leitores Intempestivos