da Agência Brasil
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de Pessoas, da Câmara dos Deputados, deve apresentar em até 60 dias um relatório parcial com sugestões de mudanças legislativas que contribuam para o combate ao tráfico de pessoas. A informação foi adiantada hoje (6), pelo presidente da comissão, deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA).
O parlamentar e outros integrantes da comissão se reuniram esta manhã com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para quem apresentaram um balanço das atividades feitas pela comissão instalada em abril de 2012. A imprensa não teve acesso à reunião e o ministro também não conversou com os repórteres ao fim do encontro, mas, segundo o deputado, ao menos duas colaborações foram acertadas, como o reforço da presença da Polícia Federal (PF) em algumas localidades, sobretudo nas fronteiras.
“É preciso melhorar o diálogo entre a CPI e a PF. Há coisas que a CPI tem a prerrogativa de fazer e que podem ajudar nas investigações da Polícia Federal. Assim como há investigações que não temos habilidade para fazer e que só mesmo a PF pode executar”, disse Jordy, destacando a importância de ampliar o efetivo policial na área sob influência das obras de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, próximo à cidade de Altamira (PA). No local, há poucas semanas, uma operação conjunta das polícias Militar e Civil libertou 16 mulheres, uma adolescente e uma travesti mantidas em cárcere privado e obrigadas a se prostituir.
“Pedimos ao ministro providências para melhorar o efetivo da Polícia Federal. Nos últimos seis anos diminuiu de 32 para 15 o efetivo da Polícia Federal presente na região, que passou de 100 mil habitantes para 132 mil moradores em apenas sete meses [em função das obras da hidrelétrica]”, disse o parlamentar, afirmando ser quase impossível que os responsáveis locais pelo empreendimento não tivessem conhecimento da existência de prostíbulos no local. Estabelecimentos onde, nas palavras de Jordy, atuava “uma rede de aliciamento de mulheres forçadas a se prostituir”. “Algo inadmissível, já que se trata de um projeto que está recebendo financiamento público, do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]”.
Ainda sobre as contribuições da CPI do Tráfico de Pessoas, o deputado diz que o relatório parcial da comissão será apresentado por um grupo de trabalho encarregado de produzir o documento com as sugestões de mudanças legais que contribuam para o combate ao tráfico de pessoas.
“Nosso Código Civil, o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como a legislação de imigração e o estatuto do estrangeiro são instrumentos jurídicos que estão absolutamente defasados. Tivemos todo o apoio do ministro, que pediu que agilizássemos esta contribuição para que o Poder Executivo possa se mobilizar pela aprovação de uma [nova] legislação o mais rápido possível”, disse o presidente da comissão
Promessa de uma vida melhor atrai as vítimas do tráfico de pessoas
A pequena índia tinha apenas 12 anos quando não resistiu às promessas de uma vida melhor e deixou a aldeia no interior de Goiás para seguir viagem com um grupo de ciganos. Quase sete meses depois de seu desaparecimento, ela foi encontrada em Minas Gerais. Nenhuma promessa foi cumprida pelo grupo que, ao contrário, violou vários direitos da jovem, segundo relatos de representantes do programa de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas de Minas Gerais, um dos responsáveis pela solução do caso.
Não ficou confirmada a exploração sexual da jovem, mas ao longo desses meses ela sofreu agressões verbais e físicas.“É um caso muito comum de tráfico doméstico de pessoas. Oferecemos atenção para a garota e articulamos a rede com os órgãos de Goiás, porque temos que garantir que as pessoas sejam assistidas da forma mais correta”, contou a psicóloga Ariane Gontijo Lopes Leandro,diretora do programa mineiro de enfrentamento ao crime.
Ariane que comanda o núcleo na capital mineira, onde estão sendo analisados outros 15 processos como esse, explicou que as instituições não estão preparadas para lidar com o problema. “Há muita desinformação e temos que ter cuidado para a vítima não sofrer retaliações. Os inquéritos, hoje, não são feitos com cautela”, disse ela. Segundo a psicóloga ainda existem profissionais que não reconhecem o crime, “não acreditam que existe tráfico de pessoas e dizem que elas [as vítimas] escolheram ir”.
A situação dificulta ainda mais as estatísticas sobre tráfico de pessoas no país. Um levantamento divulgado recentemente pelo governo, mostrou que, entre 2005 e 2011, houve 475 vítimas do tráfico de pessoas e quase todas (337) sofreram exploração sexual. Representantes do governo sinalizam que os números podem estar subestimados já que o registro desse tipo de crime é deficiente, principalmente, porque as pessoas não querem se expor ou sequer se veem como vítimas.
A maioria das vítimas (25%) não tinha sequer 20 anos de idade, era solteira e tinha baixa escolaridade. Ainda que especialistas e representantes do governo evitem apontar tendências sobre os alvos preferenciais desse tipo de crime, profissionais como Ariane destacam fatores que explicariam o perfil da maioria das vítimas.
“É fato que as mulheres são mais vulneráveis pelo poder da estrutura patriarcal de violência que ainda é cultural e tem subgrupos mais vulneráveis, pelas condições de acesso [econômico]. Não é qualquer pessoa que se torna vítima. Tem que ser alguém suscetível à vulnerabilidades”, disse.
Para Ariane, mulheres das classes A e B poderiam, por exemplo, viajar para o exterior para fazer intercâmbio ou para turismo. “As mulheres das classes C, D e E, como vão conseguir arcar com o custo e as dívidas de uma viagem e da passagem? É assim que elas entram no circuito que viola cotidianamente seus direitos, porque têm que cumprir com os compromissos e querem aproveitar para dar boas condições para a família que ficou no Brasil”.
O levantamento do governo mostra que a maioria das vítimas brasileiras procura como destino os países europeus: Holanda, Suíça e Espanha. Pernambuco, Bahia e Mato Grosso do Sul são os estados onde se registram mais casos de vítimas. Especialistas ainda acreditam que alguns estados são mais visados pelos aliciadores, entre eles, Goiás.
Em Águas Lindas, município de Goiás, o movimento feminista conhecido como Promotoras Legais Populares, que capacita mulheres em serviços de apoio à população, está concluindo um projeto de disseminação de informação entre jovens. “A gente entende que é a idade ideal para começar a ter esse conhecimento. É uma população que tem mais vulnerabilidade. Quando você é jovem, é mais fácil se deixar levar por promessas, e expectativas de vida”, explicou a advogada Cíntia Mara Dias Custódio, uma das promotoras legais do Distrito Federal.
Alunos de duas escolas do município de Águas Lindas de Goiás, devem começar a participar de oficinas quinzenais nos próximos meses. Segundo Cíntia Mara, as promotoras da região vão definir, até o final do mês quais as escolas que vão receber os grupos. “Serão dois grupos para fazer o trabalho. Vamos tratar questões como cidadania, raça e outras relacionadas às classes sociais até chegar ao tráfico de pessoas”.
Leitores Intempestivos